Compartilho mais um artigo que escrevi para o jornal gente Gospel:
"Política, Governo e Cosmovisão Bíblica: O Manual para a Construção de Nações Justas, Felizes, Pacíficas e Prósperas"
Texto na íntegra:
Política,
Governo e Cosmovisão Bíblica: O Manual para a Construção de Nações Justas,
Felizes, Pacíficas e Prósperas
Eduardo Costa
Professor da UFPA, Doutor em Economia pela
Unicamp, Conselheiro Efetivo do Conselho Federal de Economia, Presidente da Fundação
Amazônia de Amparo a Estudos e Pesquisas (FAPESPA), Mantenedor do Instituto
Aviva e membro da Comunidade Evangélica Integrada da Amazônia (CEIA). Correio
eletrônico: ejmcosta@gmail.com
“Procurei
entre eles um homem que erguesse o muro e se pusesse na brecha diante de mim e
em favor da terra, para que eu não a destruísse, mas não encontrei nem um só.”
(Ezequiel 22:30)
A sociedade brasileira encontra-se numa
encruzilhada civilizatória. Assistimos a cada dia o aumento da descrença nos
políticos e no processo político como instrumento de transformação social,
principalmente em decorrência dos seguidos escândalos de corrupção.
De acordo com levantamentos da Federação das
Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) nos últimos dez anos foram desviados
no Brasil aproximadamente 720 bilhões de reais dos cofres públicos. Anualmente
são desviados aproximadamente 85 bilhões de reais, o equivalente a 2,3% do Produto
Interno Bruto (PIB).
Com esses recursos desviados seria possível a
cada ano: construir 28 mil escolas públicas; formar 312 mil médicos; pagar 17
milhões de sessões de quimioterapia para tratamento do câncer; custear 32
milhões de diárias em UTIs nos melhores hospitais particulares; construir 241
quilômetros de metrô nas principais cidades brasileiras; construir 33 mil
unidades de pronto atendimento 24h; construir 36 mil quilômetros de estradas,
ampliando a malha rodoviária do país em aproximadamente 20%; construir 1,5
milhão de casas populares; custear em apenas um ano mais de duas usinas do
porte de Belo Monte; e erradicar a miséria do Brasil tirando desta situação
mais de 16 milhões de pessoas.
Não resta dúvida de que a corrupção se tornou
um mal crônico da sociedade brasileira, reflexo de uma cultura social de
inversão de valores, na qual a transgressão passa a ser aceita como padrão de
comportamento normal chamada “carinhosamente” de “jeitinho”. Contudo, após
décadas de tolerância para com esta deformação de caráter, a sociedade
brasileira começa a entender que a corrupção e o “jeitinho brasileiro” destroem
a qualidade de vida da população como um todo na medida em que os recursos
desviados deixam de cumprir a sua finalidade fundamental, a prestação de
serviços públicos com qualidade.
Diante desse cenário a sociedade brasileira
anseia por líderes políticos que pautados na moralidade e na probidade sejam
capazes de recolocar o país numa trajetória sustentada de desenvolvimento, organizando
a gestão do Estado de modo que os recursos públicos garantam a prestação de
adequados serviços públicos (educação, saúde, segurança, saneamento...).
Percebendo esse anseio “messiânico”, eleição após eleição o processo
político-eleitoral é conduzido por estratégias de marketing que tentam apresentar ao eleitor a figura do “salvador”.
Todavia, após as eleições é muito comum a ocorrência de uma nova onda de desilusão,
na medida em que percebe-se a inexistência de um efetivo compromisso com um
efetivo projeto de transformação social, emergem as velhas práticas ligadas à
corrupção e a gestão passa a se notabilizar pela incapacidade de cumprimento da
agenda apresentada no processo eleitoral.
Em função disso a crise civilizatória
brasileira se manifesta na descrença crescente com o processo político.
Contudo, tem as suas raízes numa cultura social e na ausência de valores éticos
e morais adequados para o desenvolvimento. Esses valores são baseados em crenças
sociais que produzem atitudes, individuais e coletivas, que nos aprisionam numa
trajetória do subdesenvolvimento. Nessa trajetória não se vislumbra um claro e
viável Projeto de Nação que objetive primeiramente a consolidação de adequados valores
éticos e morais das famílias brasileiras para a construção de uma sociedade
mais justa, pacífica, feliz e próspera. Isso nos leva a uma dura conclusão:
verdadeiramente somos subdesenvolvidos porque não nos determinamos individual
e, sobretudo, coletivamente a sermos diferentes.
A ruptura dessa trajetória passa sem dúvidas
por uma profunda revolução cultural, que deve ser precedida necessariamente por
investimentos maciços em educação, ciência e tecnologia. E isso somente pode
ser alcançado por meio do processo político do qual, como cristãos, não podemos
nos eximir ou afastar. Nesse ponto a Igreja e o cristão precisam compreender
que têm um papel social fundamental para essa mudança de trajetória.
Mas o que pode fazer a Igreja e o cristão
para mudar este contexto?
Respostas à essa pergunta devem ser
encontradas na Bíblia, que não deve ser vista apenas como uma referência de fé
e conduta individual, mas como uma proposta de organização e desenvolvimento
social colocada pelo Senhor para a humanidade baseada em uma moralidade
transcendente. É nesse manual que precisamos balizar todas as nossas condutas,
incluindo as edificações institucionais, as nossas leis, as práticas de gestão
e governo, e a nossa forma de participação no processo político. Ou seja, a
Bíblia precisa ser compreendida como um manual pleno para a construção de
Nações justas, pacíficas, felizes e prósperas.
Diversos cientistas sociais que estudaram o
processo de formação das Nações contemporâneas, demostraram que estas são o
resultado de um processo histórico de construção social que em sua trajetória
moldam a cultura específica de um povo e, como consequência, as instituições
sociais que estabelecem os seus alicerces: indivíduos, famílias, Igreja e
Estado.
Indo um pouco além, as Escrituras Sagradas
apresentam três pilares bíblicos para a construção de uma grande Nação
(Deuteronômio 4.5-9): a construção de uma memória histórica coletiva que dê aos
seus habitantes um sentimento de unidade e pertencimento; a promoção da
justiça; e uma relação próxima de Deus. Focalizando neste último pilar, há de
acordo com a Bíblia um princípio espiritual para o desenvolvimento de uma
Nação, e é importante ressaltá-lo, a relação próxima desse povo com Deus.
Logo, diante de uma cosmovisão bíblica, a
Igreja apresenta-se como uma instituição fundamental para o desenvolvimento
social, principalmente por ser um instrumento importante para a consolidação de
uma nova cultura com valores e crenças adequadas para a superação do
subdesenvolvimento. Um assunto pouco discutido nos meios eclesiásticos ou
teológicos é que o próprio Cristo apresentou um projeto político para a
sociedade do qual a Igreja é parte importante. Mas para o entendimento pleno
disso é necessário compreender a visão da Igreja na Cosmovisão Bíblica, e para
isso precisamos ir à raiz da palavra Ekklesia.
No grego a palavra Ekklesia (Ek Kaleo) significa “chamados para
fora”. Assim, o entendimento do conceito bíblico original de Igreja nos leva a
entender que somos vocacionados a transformar a sociedade, rompendo assim com
as paredes do “templo”.
A Igreja, dentro de uma perspectiva social
sistêmica e interdependente, pode ser um instrumento de restauração e
transformação da sociedade. Infelizmente, ao contrário do que a Cosmovisão Bíblica
apresenta, a igreja cristã contemporânea normalmente vem se constituindo como
um enclave na sociedade, principalmente ao se focar exclusivamente na salvação,
deixando de trabalhar a transformação social. E isso acontece porque a
membresia da Igreja não é discipulada, mentoriada, com o objetivo de impactar,
transformar e discipular a sociedade. Por outro lado, se a Igreja não discípula
a sociedade, acaba sendo discipulada pela sociedade; prova disto é a onda de
relativização de valores que está invadindo as nossas igrejas. Exemplos claros
disso é o péssimo testemunho dado por políticos “cristãos”, que são eleitos
pelos votos da igreja, mas que se envolvem em escândalos de corrupção; ou
políticos corruptos, com padrão social de comportamento antibíblico, que não
são membros do Corpo de Cristo, mas que são apoiados por algumas igrejas.
A transformação que queremos para o nosso
país precisa começar em nós mesmos, nas nossas famílias e dentro das nossas
igrejas. Especificamente em relação à Igreja, esta precisa adotar uma nova
postura, não apoiando candidaturas que apresentem posicionamentos
comportamentais e ideológicos que afrontam os preceitos bíblicos. Ademais, a
Igreja não deve se limitar a visão limitada de colocar “crentes” na política,
mas, sobretudo, deve participar do processo político mediante um propósito.
Mas qual propósito?
A Igreja precisa apoiar aqueles que queiram
servir a coisa pública, a sociedade e, sobretudo, ao Reino. Para isso, precisa
selecionar candidatos que sejam verdadeiramente vocacionados, chamados pelo
Senhor para o exercício de um ministério junto à sociedade, um ministério
movido pelos preceitos bíblicos de respeito às autoridades constituídas, anseio
pela justiça, amor ao próximo e temor do Senhor. Um ministério que defenda os
princípios bíblicos de governo: liberdade (Jo 8.32, 36; Gl 5.1; Ex 20.1,2);
prosperidade coletiva (Jr 29.5-7; 1Tm 2.1,2; 2Co 9.10,11); misericórdia para
com os pobres, crianças e mulheres (Mc 12.31; Tg 1.27; Tg 2.14-17; 1Tm 5.1-3;
Gl 3.28); igualdade e direitos humanos (Gl 3.28; Dt 24.17; Dt 19.15; Nm 27.7);
desenvolvimento pessoal, tecnológico e científico (Ef 4.12,13; Ec 1.13; Dt
6.4-9; Os 4.6; Pv 1.7a); separação entre igreja e Estado (1Sm 13.12,13; 2Cr
26.16-20); e, sustentabilidade (Gl 1.27; Pv 12.10; Mt 5.13-16).
Ou seja, dentro desta perspectiva que podemos
chamar de “Visão do Reino”, o cristão precisa não somente almejar a salvação,
mas também a transformação de sua cosmovisão de modo almejar a implantação dos
princípios do Reino de Deus na sociedade, relembrando que o Reino de Deus é
conforme os princípios bíblicos: justiça, paz, felicidade e prosperidade.
Finalmente, é importante ressaltar que a Cosmovisão
Bíblica vê a atividade política, ou as atividades ligadas à gestão pública,
como um ministério que precisa ser exercido por aqueles que são vocacionados
pelo Senhor com o propósito edificar a sociedade por meio de dons naturais que
são dados pelo Senhor (Ef 4.11-16; 1Co 16.6; Tg 1). Mas para isso a igreja
precisa compreender com profundidade o conceito de “vocação”, e este será o
tema de um dos próximos artigos.
Links dos artigos anteriores:
Para quem não viu meus outros 4 artigos que foram publicados nas edições anteriores do informativo, seguem os links:
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