sexta-feira, 16 de junho de 2017

Enclave ou instrumento de transformação social

Confira o artigo "A Igreja Evangélica na Amazônia (parte II): enclave ou instrumento de transformação social", que escrevei para o jornal gente Gospel de maio/junho/julho:


A Igreja Evangélica na Amazônia (Parte II): enclave ou instrumento de transformação social

Eduardo Costa
 Professor da UFPA, Doutor em Economia pela Unicamp, Conselheiro Efetivo do Conselho Federal de Economia, Presidente da FAPESPA e membro da Comunidade Evangélica Integrada da Amazônia (CEIA). Correio eletrônico: ejmcosta@gmail.com 

"E não sede conformados com este mundo, mas sede transformados pela renovação do vosso entendimento, para que experimenteis qual seja a boa, agradável, e perfeita vontade de Deus." (Romanos 12:2)

Nos últimos dois artigos publicados no Jornal Gente Gospel, destacamos que o maior desafio para as igrejas evangélicas do estado do Pará é o desafio da transformação social. Não resta dúvida de que nestes mais de 120 anos de ações missionárias o resultado em termos do número de “conversões” é exitoso. Conforme dados do IBGE, 26% da população do estado, cerca de 2 milhões de habitantes, declararam-se de religião evangélica no último Censo Demográfico (2010). Analisando com um pouco mais de cuidado o perfil do cristão evangélico paraense, é possível constatar que, de acordo com os dados estatísticos oficiais, este encontra-se na base da estratificação social, com baixa instrução, baixa empregabilidade, baixa remuneração e, como consequência, enorme vulnerabilidade social.

Neste sentido, em que pese as ações evangelísticas terem tido grande sucesso no alcance do número de convertidos, as igrejas evangélicas vêm apresentando baixa capacidade de impacto social em seus membros, ao mesmo tempo em que vêm se consolidando como enclaves na sociedade no momento em que, a grande maioria, volta-se exclusivamente para práticas litúrgicas e eclesiásticas internas e deixam de impactar a realidade do local e das pessoas onde estão inseridas (ruas, bairros, cidades, estados ou até mesmo países).

Esta reflexão traz à tona uma série de questionamentos que dariam um bom debate numa turma de Teologia. A igreja evangélica tem cumprido o seu papel social? A responsabilidade social faz parte da missão da igreja? Existe evangelho pleno sem responsabilidade social? A construção do reino de Deus é uma temática meramente espiritual de uma vida pós-morte, ou devemos tentar construir o reino de Deus na Terra? Temos sido partícipes do projeto de implantação do Reino de Deus na Terra? Estamos exercitando uma visão bíblica plena ou integral?

Debates em torno destas questões estão começando a emergir num movimento mais amplo que está sendo chamado por alguns teólogos como Quarta Onda Missionária, um movimento que tem convergido para o entendimento de que é necessário buscar uma cosmovisão bíblica integral (plena) na qual o alcance missionário é muito mais amplo do que reporta o nosso senso comum, ou mesmo do que é comumente apresentado nas igrejas cristãs e nos seminários teológicos.

Há neste sentido um novo clamor evangelístico e um avivamento eclesiástico-social que se materializa na necessidade de promover ações que levem a membresia a lograr inclusão, redução de suas vulnerabilidades sociais e mobilidade social. Ou seja, é um clamor para que os cristãos e as igrejas busquem maior envolvimento nos assuntos seculares na medida em que a mensagem do evangelho, em sua integralidade e plenitude, pode redimir não somente indivíduos, mas a própria sociedade ao promover mudança de mentalidade e conversão social (coletiva).

A Cosmovisão Bíblica Integral – ao contrário do secularismo que despreza o mundo espiritual e guia-se pelo materialismo e hedonismo, e do animismo que espiritualiza tudo desprezando a influência que o próprio homem pode ter em sua trajetória – parte de dois pressupostos: (i) existe uma verdade absoluta que pode ser conhecida; (ii) a relação entre o mundo físico e espiritual é dialética.

Logo, o subdesenvolvimento – manifesto numa sociedade com expressivas contradições sociais, dentre elas pobreza e desigualdade – é reflexo de um sistema de valores que se baseia numa cultura indutora do “pecado público”, tendo como exemplo a prática de corrupção generalizada que grassa o nosso país e é resultante de uma cultura que se manifesta pela lógica do “se servir da coisa pública” ao invés do intuito de “servir a sociedade e o que é público”. Esta atitude é uma clara manifestação de uma cultura pautada nas práticas do individualismo/personalismo, coronelismo e fisiologismo.

 A superação deste quadro somente pode ser alcançada por meio de um processo de autodeterminação individual e coletiva expressa num processo de ruptura de paradigmas (conversão), na medida em que há uma relação causal entre crenças (cultura), valores, comportamento e consequências.

Uma cultura alicerçada em desarmonia com a Cosmovisão Bíblica Integral produz uma sociedade com valores invertidos, conduzida por padrões de comportamento que se expressam no materialismo e hedonismo, na necessidade de tentar tirar vantagem de tudo, na compreensão de que os fins justificam os meios, no preconceito de raças e gênero, na visão de que o trabalho não edifica o homem, na crença de que todos são corruptos e desonestos e de que ser honesto é coisa para “otário”, ou mesmo na visão de que todos os caminhos levam a Deus, daí a necessidade da busca pelo relativismo ou mesmo pelo sincretismo religioso.

A consequência deste padrão cultural de comportamento se expressa numa sociedade com instituições sociais deletérias ao seu processo de desenvolvimento. Ou seja, pobreza, desigualdade e subdesenvolvimento têm origem num padrão de crença coletiva, na cosmovisão do povo.

Mas como quebrar este círculo vicioso das crenças (cultura), valores, comportamento e consequências? Através da implantação de uma Cosmovisão Bíblica Integral que tem como visão fundamental a conversão e o discipulado, não somente numa perspectiva do indivíduo, mas numa visão mais ampla por meio do discipulado social (coletivo).

Conversão significa mudança de atitude, metanoia, mudança de valores, quebra de paradigmas, ampliação da visão, desenvolvimento de novas perspectivas. Neste sentido, esta transformação plena somente pode ser atingida por meio do discipulado, entendendo este como um processo de condução a uma mudança de acordo com padrões bíblicos. É, desta forma, uma prática de mentoreamento sistemático, ou como está atualmente em voga no meio empresarial, de coaching, que induz a uma renovação das disposições psíquicas e morais, um novo modo de pensar e agir, com o estabelecimento de metas e objetivos.

Neste ponto, cabe uma observação. As relações sociais sempre são dialéticas, estando inclusa a relação igreja x sociedade. Consequentemente, ou a igreja discípula a sociedade, ou a sociedade acaba discipulado a igreja. E é o que temos observado em muitos casos, igrejas sendo impactadas pelo secularismo, pelo sincretismo religioso e/ou cultural, ou pela atual cosmovisão pós-moderna que exalta o indivíduo, o relativismo, o superficialismo, o hedonismo e o instantâneo. Estas igrejas vivem um evangelho da superficialidade, que não louva e adora em espírito e em verdade, que não prega a mensagem da Cruz, do arrependimento, da conversão dos pecados, do céu e do inferno, da volta triunfal de Jesus, mas que procura agradar de todas as formas um “crente” imaturo, egoísta, ambicioso, hedonista e carnal.

Quando uma igreja falha ao discipular uma sociedade ela acaba sendo discipulada pelas crenças, valores e comportamentos correntes, e ao fazer isto ela se contamina e deixa de ser “sal” e “luz”. Neste ponto, surgem novas e importantes questões que ainda precisam ser debatidas e amadurecidas pela igreja contemporânea: Como desenvolver um discipulado social? Como implantar ações de responsabilidade social? Práticas assistencialistas são suficientes?

Contudo, é bom enfatizar, existem alguns princípios que devem nortear este debate:

1. O evangelho precisa ser vivido em sua plenitude (Cosmovisão Bíblica Integral);
2. A plenitude de Deus precisa estar não somente na vida do cristão. Mas em sua casa, seu trabalho, sua igreja, sua comunidade, sua cidade, seu estado e seu país;
3. Uma igreja que não trabalha no desenvolvimento integral de sua membresia acaba por atrofiar o seu desenvolvimento e o seu ministério;
4. Uma igreja que não impacta a sociedade e o seu tempo não vive o evangelho em sua plenitude;
5. Ou a igreja discípula a sua membresia e a comunidade ou ela será discipulada pela visão secularista.

Para quem não viu meus outros 3 artigos que foram publicados nas edições anteriores do informativo, seguem os links:







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