sábado, 24 de setembro de 2011

Crônicas sobre o Separatismo (Parte 3): O Pará-Miri e a herança maldita

Com o plebiscito do dia 11 de dezembro o atual estado do Pará que outrora já foi Grão-Pará, poderá vir a se tornar, em um futuro próximo, “Pará-Miri” ou “Parazinho”, como ironicamente vem sendo chamado por alguns. A divisão territorial do estado é assunto polêmico e extremamente sério para ser tratado unicamente ao calor das emoções, ou embalados por músicas empolgantes, comícios, carreatas, adesivagens e campanhas publicitárias caríssimas coordenadas por marqueteiros de renome nacional. Precisa ser pensada no tocante aos seus reflexos sobre os três estados remanescentes: Pará, Carajás e Tapajós. No limite, a divisão territorial seria válida se fosse positiva para as populações dos três novos estados. É esta a discussão central. Não basta ser bom apenas para uma das novas unidades federativas, todos precisariam ganhar com este processo. Contudo, os dados demonstram que para o Pará remanescente a proposta de divisão é muito perigosa, podendo deixar uma “herança maldita” que engessará significativamente a capacidade de gestão do governo, prejudicando a implantação de políticas públicas efetivas e eficazes e impedindo, em grande parte, a reversão dos lastimáveis indicadores sociais que nos fazem campeões em termos de mortes no campo, tráfico de seres humanos, prostituição infantil e tráfico de drogas, dentre outros.
O estado do Pará remanescente herdaria de acordo com dados do IBGE e do IDESP uma população aproximada de 4,8 milhões de habitantes (64% da população do atual estado do Pará), 218 mil quilômetros quadrados (17% da área territorial do estado do Pará), uma densidade demográfica de 22,2 habitantes por quilômetro quadrado e 78 municípios. O seu PIB, de acordo com dados do IBGE para o ano de 2008, seria de 32,5 bilhões de reais (55,6% do PIB do atual estado) e o PIB per capita de R$ 6.461, abaixo do PIB per capital do Pará atual de R$ 7.007.
No levantamento de informações alguns dados chamam a atenção e demonstram que o Pará remanescente ficará com uma “herança maldita” para ser administrada. Além de ficar com o pior Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) dos três novos estados, e o atual Pará já possui o mais baixo IDEB do país, ficaremos com o mais expressivo déficit em termos de leitos hospitalares por mil habitantes. Vejam as tabelas a seguir, os dados falam por si mesmo.

Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) - Público IDEB - 4ª Série/5º Ano
Estados
2005
2007
2009
Carajás
2,6
2,9
3,4
Pará
2,6
2,7
3,2
Tapajós
2,6
3,1
3,6
Total  
2,8
2,8
3,4
Fonte: INEP/MEC
Elaboração: SEPOF/IDESP


Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) - Público IDEB - 8ª Série/9º Ano
Estados
2005
2007
2009
Carajás
2,9
3
3,4
Pará
3,1
3
3,3
Tapajós
3,2
3,4
3,6
Total  
3,1
3,1
3,4
Fonte: INEP/MEC
Elaboração: SEPOF/IDESP  

Leitos por mil hab. e déficit de leitos - 2010
Estados
Leitos  
Déficit de Leitos
(por 1.000 Hab.)
Carajás
2,7
2.440,70
Pará
1,6
7.063,00
Tapajós
1,8
2.035,60
Total Global
1,9
11.539,30
Fonte: DATASUS
Elaboração: IDESP
Nota: Considerou-se uma situação satisfatória 4 leitos por mil hab.

Além dos piores indicadores sociais ligados a educação e a saúde, o Pará remanescente herdará algumas áreas problemáticas. Não há dúvida que o atual dinamismo econômico do Pará está assentado basicamente na extração de minérios, no setor agropecuário e na realização de grandes projetos de infraestrutura. Neste ponto, com algumas exceções pontuais que ficariam com o Pará remanescente, como Paragominas e Barcarena, por exemplo, o Pará remanescente poderá herdar um vazio em termos de dinamismo econômico.
O Nordeste paraense, também chamado de Região do Salgado ou de regiões do Rio Capim, Rio Caeté e Guamá, é atualmente uma área econômica relativamente estagnada. Apesar de possuir a mais densa rede urbana e a maior densidade demográfica, a economia desta região encontra-se em processo histórico de estagnação. Todavia, o destaque fica para com o Arquipélago do Marajó. Se há uma área “problemática” no estado do Pará esta área é a Região do Marajó que possui problemas endêmicos sérios, como a malária, deficiências crônicas em termos de transporte e infraestrutura e a necessidade urgente em se avanças na regularização fundiária. Apesar de ser um local idílico, belíssimo, que poderia ser mais bem explorado em termos de turismo, o Marajó possui uma economia estagnada e os seus municípios encontram-se dentre os piores IDH do país. Isto mesmo, dentre os 50 piores IDH do país podemos encontrar todos os municípios do Marajó. Sem falar no tráfico de drogas, na prostituição infantil, na pirataria, na malária, no desemprego, na miséria... Assim, se a saída para o desenvolvimento fosse o separatismo, deveríamos começar discutindo a separação do Marajó. Aliás, poderíamos pensar até em separar o Pará do Brasil!? (Sic.)
Neste ponto sou impelido a fazer uma digressão e olhar para o exemplo africano. Há cerca de 100 anos a partilha da África dividiu o território deste continente em pequenos países principalmente com o objetivo de favorecer os interesses econômicos das empresas mineradoras européias e da elite local cooptada destas regiões. Quem ganhou com isto? As empresas mineradoras e a elite econômica local. Passado cerca de um século a partilha da África não gerou desenvolvimento para estes países. Muito pelo contrário, estes países possuem sociedades altamente desiguais e somente uma pequena elite econômica local realmente se beneficiou deste processo.
Fechado a digressão cabe perguntar: e a Região Metropolitana? O que herdará neste processo? Sabemos que a economia da RM de Belém tem grande parte do seu dinamismo econômico ligado ao setor terciário. E aqui uma observação fundamental que não tem sido discutido como deveria. A dinâmica do setor terciário, o famoso setor prestador de serviços, é influenciado diretamente pela dinâmica do setor turismo, agropecuário e industrial. Com exceção do turismo, a dinâmica atual do setor agropecuário e industrial encontra-se em grande parte nas áreas que almejam emancipação, principalmente no estado de Carajás proposto. Desta forma, como a divisão haverá uma dinâmica natural de migração dos serviços para as novas capitais (Santarém e Marabá) e a RM de Belém se verá em um quadro de fuga de empregos. Indo mais além, a dinâmica econômica do Pará remanescente não terá um dinamismo necessário para ativar a economia da RM de Belém, e a metrópole do atual estado do Pará entrará em um período indefinido de recessão econômica. Este ponto precisa ser seriamente debatido.
Somado a isto, o Pará remanescente deverá herdar um governo com baixa capacidade de intervenção em termos de políticas públicas. Já somos um estado considerado do ponto vista federativo ineficiente. Gastamos em torno de 16% de nosso PIB com a manutenção da máquina pública (a média nacional é de 12%). Com a divisão, o Pará remanescente gastará, conforme dados apresentados pelo economista Rogério Boueri do IPEA, em torno de 19% do PIB. Herdaremos um estado pobre, com sérios problemas sociais e com baixíssima capacidade de intervenção. Somam-se a isto algumas perguntas fundamentais. Quem arcará com a construção da nova estrutura administrativo-burocrática dos novos estados? Este ônus poderá recair para o Pará remanescente!? Quem herdará a dívida do atual estado do Pará? Quem ficará com o passivo dos servidores inativos? 
É por estas questões que o tema do separatismo precisa ser seriamente debatido. Não podemos votar no dia 11 de dezembro no calor da emoção. A separação poderá condenar o estado do Pará remanescente a um futuro econômico e social tenebroso, se constituindo como uma verdadeira “herança maldita”. 

Um comentário:

  1. A mera observação torna visível o que o sr. apresenta na forma de dados: o Pará remanescente não tem condições de se manter por si mesmo. Por que? Simplesmente porque não há investimento na produção de riquezas, formação de mão de obra, etc. O empresariado local prefere adqurir franquias da região sul e sudeste e pagar um salário de fome a funcionários mal preparados para lucrar mais em lugar de investir em infra-estrutura e treinamento de mão de obra como instrumentos de produção de riquezas.... Por isso Belém se reduz ao setor de serviços. Basta tentar comprar um móvel na cidade: todos eles vem do sul e sudeste quando a madeira extraída das florestas sai daqui para o resto do país e para o exterior. Faz sentido algo dessa natureza? Pq o Pará não é uma referência no setor de movelaria? Pq o Pará ainda exporta boi em pé? Pq o Açaí do Pará é industriazlizado fora do Estado? Simples: Pq o empresariado tem uma mentalidade extrativista e atrasada... As elites políticas e esse empresariado definiram o futuro que queriam para o Estado: mantê-lo no mais completo atraso. Não é à toa que os indicadores do plebiscito sugerem que somente aqueles que se encontram nessa região são majoritariamente contra a separação do Estado. Assim, o país todo poderá pagar a conta pelos equívocos históricos que aqui se produziram. Por isso a propaganda contra a divisão do Estado é pedestre e rasteira e fala em entregar o Pará. Como se as regiões sedentas pela separação não fossem o Pará também.... Enfim uma cortina de fumaça para esconder a dura e cruel realidade: o estado exibe índices vergonhosos de desenvolvimento humano e para perceber isso basta andar pelas ruas de Belém e ver a população pobre, vivendo como pode do trabalho informal ( que não reverte em impostos e em direitos do cidadão), a falta de educação, o estado do transporte público (que não sofre nenhum tipo de fiscalização por parte do poder púbico), o lixo nas ruas e calçadas ( que as elites não vêem, claro, pois andam de carro e se trancam em condomínios verticais). Que exemplo o Estado atual tem para dar em termos de administração pública? Nenhum. Em plena Amazônia - que chama atenção do mundo todo - não foi capaz de levar a cabo o saneamento básico da própria capital do estado -, nem de desenvolver o Turismo ( que não passa de uma ficção). Se São Paulo - que é uma selva de pedra - consegue vender-se aos turistas, como um estado no interior da Amazônia pode ser incapaz de vender-se como destino turístico? Nem é necessário responder. E as mazelas do Pará não se devem ao "Sul", como muito xenófobos gostam de apregoar, mas a sim mesmo...

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