Prof. Dr.
Eduardo Costa
Para alguém que,
talvez, tenha lido o título desta reflexão de forma abrupta, as medidas de
restrição adotadas no dia de ontem (02/03/21) pelo governo do Pará, a princípio,
não tem nenhuma relação com estádio de futebol. Contudo, no atual contexto, as
duas questões estão tragicamente relacionadas, tonando-se expressão do atual estágio
de nossa irracionalidade pública e social.
Ontem foi anunciado o já esperado (e
arriscaria dizer acertado) anúncio do acirramento das medidas para o combate a
pandemia do Covid 19. Decretou-se no Pará a bandeira vermelha e o toque de
recolher a partir das 22h. A justificativa da medida decorre, segundo anúncio
do próprio governador, do “alto risco de transmissão e da baixa capacidade do
sistema de saúde”. Qualquer pessoa sensata, bem informada e que consegue se
colocar para além do atual e rasteiro uso político e midiático da crise
sanitária e econômica, entende a gravidade do momento e a necessidade da adoção
de medidas para, pelo menos, diminuir o ritmo do contágio; amenizando, com
isto, a sobrecarga do sistema de saúde (público e privado).
Sem ter a
intensão de alongar o debate, cabe, neste momento, trazer a tona duas
importantes considerações. Uma sobre a importância dos hospitais públicos
regionais. E outra sobre a conveniência de se investir recursos públicos na
reforma de um estádio de futebol.
Indiscutivelmente
o sistema público de saúde do estado do Pará ainda está aquém das reais
necessidades e demandas da população. Todavia, os 11 hospitais regionais que
existem atualmente no estado estão adotando estratégias de enfrentamento à
pandemia fundamentais para minimizar a sobrecarga do sistema de saúde. De um
lado, prestando serviços importantes em várias regiões e, de outro, aliviando a
sobrecarga dos hospitais da Região Metropolitana de Belém. Aliás, poucos sabem
mas dois de nossos hospitais (Hospital Regional Público da Transamazônica em
Altamira e Hospital Regional do Baixo Amazonas em Santarém), em um passado não
muito distante, foram ranqueados entre os 10 melhores do Brasil.
Neste ponto,
é preciso reconhecer a visão estratégica de descentralização dos serviços
públicos de saúde que foi alinhavada como diretriz nas gestões do ex-governador
Simão Jatene. Mesmo sobre ferrenhas críticas e oposições ao projeto, por parte
de alguns grupos políticos do estado, inclusive com pronunciamentos
contundentes críticos de alguns deputados, a decisão mostrou-se acertada e hoje
o Pará só não vive um caos muito maior em termos de saúde pública justamente
pelas decisões estratégicas tomadas no passado. Reconhecer e dar os devidos
créditos a quem de direito é uma virtude que somente homens de espírito público
possuem.
Mas fica uma
pergunta, quanto custa à construção de um hospital regional? Obviamente o valor
de uma obra é variável dependendo do tamanho, número de prédios e grau de
complexidade dos serviços que serão prestados. Tomemos, contudo, como
referência o valor da conclusão do Hospital Regional de Castanhal, que em seu
projeto possui a destinação de 160 leitos, sendo 120 leitos clínicos e 40
leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Hoje quem está à espera de um
leito de UTI sabe a importância, em especial para quem vive no interior.
Conforme a
placa da obra, uma exigência legal, o valor destinado para a sua conclusão foi
de R$ 56 milhões. Indiscutivelmente um valor muito baixo para a importância dos
serviços que serão prestados a população da Região do Caeté e do estado, com
destaque para as áreas de traumatologia e oncologia.
Muito bem.
Façamos agora um paralelo. No meio da pandemia, ainda no ano de 2020, o governo
do estado anunciou como prioridade de gestão a reforma do estádio do
Mangueirão, uma obra orçada, segundo o próprio governo, em R$ 146 milhões.
É aqui o
ponto central de nossa discussão.
Na semana que
antecedeu a decretação do bandeiramento vermelho, sob a alegação de que o
sistema de saúde do estado está sobrecarregado, o governo estadual anuncia com “pompas
e circunstâncias” o início das obras de reforma do Estádio Olímpico do Pará
(Mangueirão).
Celso
Furtado, um dos mais brilhantes economistas brasileiros, em várias de suas
obras insistia em afirmar que o subdesenvolvimento é expressão de um
determinado grau de irracionalidade pública e social. Em meio ao quadro atual
anunciar, festejar e iniciar uma obra de reforma de um estádio de futebol, de
valor expressivo, enquanto milhares de paraenses padecem a espera de melhores
serviços públicos de saúde é, indiscutivelmente, a mais trágica expressão do
grau de irracionalidade publica e social que nos condena a trajetória do
subdesenvolvimento.
Em qualquer
lugar, com uma sociedade mais esclarecida e engajada, com um parlamento mais
independente, coerente e atuante, e com um maior grau de maturidade sobre
assuntos referentes a res pública, certamente não estaríamos presenciando
o paradoxo da reforma de um estádio enquanto ainda faltam leitos hospitalares.
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