quarta-feira, 3 de março de 2021

BANDEIRAMENTO VERMELHO, TOQUE DE RECOLHER, HOSPITAIS REGIONAIS E ESTÁDIO DE FUTEBOL: PRECISAMOS REFLETIR OU O PARADOXO ENTRE A REFORMA DE ESTÁDIO E A FALTA DE LEITOS

 

Prof. Dr. Eduardo Costa

 

Para alguém que, talvez, tenha lido o título desta reflexão de forma abrupta, as medidas de restrição adotadas no dia de ontem (02/03/21) pelo governo do Pará, a princípio, não tem nenhuma relação com estádio de futebol. Contudo, no atual contexto, as duas questões estão tragicamente relacionadas, tonando-se expressão do atual estágio de nossa irracionalidade pública e social.

 Ontem foi anunciado o já esperado (e arriscaria dizer acertado) anúncio do acirramento das medidas para o combate a pandemia do Covid 19. Decretou-se no Pará a bandeira vermelha e o toque de recolher a partir das 22h. A justificativa da medida decorre, segundo anúncio do próprio governador, do “alto risco de transmissão e da baixa capacidade do sistema de saúde”. Qualquer pessoa sensata, bem informada e que consegue se colocar para além do atual e rasteiro uso político e midiático da crise sanitária e econômica, entende a gravidade do momento e a necessidade da adoção de medidas para, pelo menos, diminuir o ritmo do contágio; amenizando, com isto, a sobrecarga do sistema de saúde (público e privado).

Sem ter a intensão de alongar o debate, cabe, neste momento, trazer a tona duas importantes considerações. Uma sobre a importância dos hospitais públicos regionais. E outra sobre a conveniência de se investir recursos públicos na reforma de um estádio de futebol.

Indiscutivelmente o sistema público de saúde do estado do Pará ainda está aquém das reais necessidades e demandas da população. Todavia, os 11 hospitais regionais que existem atualmente no estado estão adotando estratégias de enfrentamento à pandemia fundamentais para minimizar a sobrecarga do sistema de saúde. De um lado, prestando serviços importantes em várias regiões e, de outro, aliviando a sobrecarga dos hospitais da Região Metropolitana de Belém. Aliás, poucos sabem mas dois de nossos hospitais (Hospital Regional Público da Transamazônica em Altamira e Hospital Regional do Baixo Amazonas em Santarém), em um passado não muito distante, foram ranqueados entre os 10 melhores do Brasil.

Neste ponto, é preciso reconhecer a visão estratégica de descentralização dos serviços públicos de saúde que foi alinhavada como diretriz nas gestões do ex-governador Simão Jatene. Mesmo sobre ferrenhas críticas e oposições ao projeto, por parte de alguns grupos políticos do estado, inclusive com pronunciamentos contundentes críticos de alguns deputados, a decisão mostrou-se acertada e hoje o Pará só não vive um caos muito maior em termos de saúde pública justamente pelas decisões estratégicas tomadas no passado. Reconhecer e dar os devidos créditos a quem de direito é uma virtude que somente homens de espírito público possuem.

Mas fica uma pergunta, quanto custa à construção de um hospital regional? Obviamente o valor de uma obra é variável dependendo do tamanho, número de prédios e grau de complexidade dos serviços que serão prestados. Tomemos, contudo, como referência o valor da conclusão do Hospital Regional de Castanhal, que em seu projeto possui a destinação de 160 leitos, sendo 120 leitos clínicos e 40 leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Hoje quem está à espera de um leito de UTI sabe a importância, em especial para quem vive no interior.

Conforme a placa da obra, uma exigência legal, o valor destinado para a sua conclusão foi de R$ 56 milhões. Indiscutivelmente um valor muito baixo para a importância dos serviços que serão prestados a população da Região do Caeté e do estado, com destaque para as áreas de traumatologia e oncologia.

Muito bem. Façamos agora um paralelo. No meio da pandemia, ainda no ano de 2020, o governo do estado anunciou como prioridade de gestão a reforma do estádio do Mangueirão, uma obra orçada, segundo o próprio governo, em R$ 146 milhões.

É aqui o ponto central de nossa discussão.

Na semana que antecedeu a decretação do bandeiramento vermelho, sob a alegação de que o sistema de saúde do estado está sobrecarregado, o governo estadual anuncia com “pompas e circunstâncias” o início das obras de reforma do Estádio Olímpico do Pará (Mangueirão).

Celso Furtado, um dos mais brilhantes economistas brasileiros, em várias de suas obras insistia em afirmar que o subdesenvolvimento é expressão de um determinado grau de irracionalidade pública e social. Em meio ao quadro atual anunciar, festejar e iniciar uma obra de reforma de um estádio de futebol, de valor expressivo, enquanto milhares de paraenses padecem a espera de melhores serviços públicos de saúde é, indiscutivelmente, a mais trágica expressão do grau de irracionalidade publica e social que nos condena a trajetória do subdesenvolvimento.

Em qualquer lugar, com uma sociedade mais esclarecida e engajada, com um parlamento mais independente, coerente e atuante, e com um maior grau de maturidade sobre assuntos referentes a res pública, certamente não estaríamos presenciando o paradoxo da reforma de um estádio enquanto ainda faltam leitos hospitalares.  



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