Por Fernando de
Aquino Fonseca Neto (*)
A definição mais aceita de
economia há muitas décadas seria de "ciência do bem-estar", o que já
estabelece o seu objetivo mais consensual. Ao mesmo tempo, a estatística mais
valorizada pelos economistas tem sido o Produto Interno Bruto (PIB), não
faltando quem defenda as suas propriedades enquanto indicador de bem-estar. De
fato, altos níveis de PIB per capita estão associados a padrões de vida mais
satisfatórios para a população em geral, embora, em vários casos, como em
grande parte dos países árabes, na Índia e no Brasil, os padrões de vida da
maioria da população não cheguem a acompanhar os níveis de PIB per capita
observados.
Contudo, se em termos de níveis essa
associação com o bem-estar é deficiente, ela fica ainda maior quando se fala em
termos de crescimento. O crescimento do PIB é apropriado por parcelas maiores
ou menores da população, embora quanto maiores essas expansões, mais fácil para
a política econômica disseminar os ganhos.
Mesmo assim, é inegável que uma mesma
taxa de crescimento agregado possa gerar benefícios totalmente diferentes -
pode se concentrar no aumento dos lucros dos bancos, na produção de bens de
luxo com limitada geração de empregos, na produção de commodities intensivas em
recursos naturais para o entesouramento de divisas ou se concentrar em obras de
infraestrutura, na produção de bens de consumo popular com alta geração de
empregos, na expansão da agricultura familiar. Quanto ao argumento de que é
melhor esperar o bolo crescer, ou seja, sacrificar as gerações presentes em
benefício das futuras, várias experiências nessa linha sequer garantiram as
próprias promessas.
Certamente, os casos de níveis ou
elevações de bem-estar mais restritos decorreriam de distribuições menos
favoráveis da renda gerada. Sobre tal questão, são impressionantes os
resultados relatados por André Lara Resende, em seu artigo "Desigualdade e
Bem-Estar", publicado neste jornal, no caderno Eu & Fim de Semana, em
27.01.2011: "O ponto crucial do argumento é que, independentemente do
nível de renda, a pobreza relativa contribui para a perda de bem-estar. (...) A
evidência dos estudos feitos nas últimas décadas, em universidades e institutos
de pesquisa por toda parte no mundo, sugere que todos os possíveis indicadores
de bem-estar, sejam relativos tanto à saúde, física e mental, quanto a questões
sociais, como delinquência juvenil, gravidez adolescente, desempenho escolar,
criminalidade, entre muitos outros, estão invariavelmente correlacionados com o
nível de desigualdade social".
O próprio autor reconhece que
"não há como pretender declarar vitória incontestável, com base
exclusivamente na evidência empírica". De qualquer modo, não se pode
desprezar essas evidências de que as desigualdades importam, sobretudo nos
níveis que persistem no Brasil, para quaisquer fluxos absolutos de renda. Por
outro lado, fatores como justiça, meritocracia e estímulos à eficiência, que
dependem, em grande medida, de resultados de escolhas, habilidades e empenhos
individuais, não podem ser negligenciados.
Assim, em função das dificuldades de
se identificar um padrão de distribuição de renda adequado, partiu-se para
indicadores mais diretos de bem-estar. Nessa linha despontou o Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH), elaborado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
(PNUD), contemplando as dimensões de renda, saúde e educação. Observe-se que o
IDH, ainda que mais abrangente que o PIB per capita como indicador de
bem-estar, na dimensão renda permanece sem considerar a sua distribuição, e na
dimensão educação não é sensível à sua qualidade, considerando apenas os anos
de estudo.
A ênfase na distribuição de
oportunidades, em detrimento da distribuição de resultados, mantendo-se uma
rede de proteção social mínima, vem obtendo crescente aceitação no debate público.
Nesse sentido, indicadores que revelem a geração de oportunidades seriam
bastante proveitosos.
Mesmo expressando também resultados,
os candidatos mais adequados no país hoje seriam os empregos formais,
compilados pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) em suas bases de dados
da Rais e do Cadastro geral de Empregados e Desempregados (Caged), recentemente
harmonizadas. Tais bases permitem a montagem de séries mensais de empregos
regidos pela CLT, com dados censitários, abrangência nacional e possibilidade
de diversas aberturas, geográficas, setoriais e outras.
Não se trata, contudo, de menosprezar
a busca pelo crescimento do PIB, que deve ser um objetivo prioritário, mas por
meio da viabilização e estímulo aos investimentos, tanto em capital físico
quanto humano. Para tanto, seriam condições necessárias mercados, instituições
e disponibilidade de recursos, locais ou importáveis, satisfatórios para
iniciar o processo. Entretanto, importa ressaltar que, mesmo tais condições não
garantiriam fluxos vigorosos e duradouros de investimentos. Fator crucial seria
empreendedores dispostos a enfrentar as incertezas dos retornos futuros, ainda
maiores em um país com peculiaridades que podem fazer a diferença, positiva ou
negativamente. Vale ponderar, também, que políticas públicas que visem apenas
incrementar a agregação de valor em sua geração, mesmo pretendendo
redistribuí-lo por meio de políticas adicionais em um segundo momento, correm o
risco de não lograr essa pretendida disseminação de bem-estar, o que levaria a
um processo de "indianização" da economia brasileira.
Políticas macroeconômicas que
resultem em crescimentos da demanda agregada superiores à capacidade produtiva
corrente favorecem a elevação e descontrole da inflação, que é, ao mesmo tempo,
um imposto regressivo e um inibidor do crédito ao consumidor e dos
investimentos. Portanto, se o objetivo final é, de fato, a maximização do
bem-estar, o mais sensato seria ajustar a demanda agregada aos níveis de
utilização adequados da capacidade produtiva, observada ainda a redução das
desigualdades, ao menos para o caso do Brasil, assim como a sustentabilidade
ambiental, procurando gerar o máximo de empregos de melhor qualidade, como os
formais, tanto imediatos quanto oriundos de desdobramentos de cadeias produtivas
com tal potencialidade.
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(*) Doutor em Economia pela UnB e analista do Banco Central (BC). É
vice-presidente do Conselho Regional de Economia de Pernambuco.
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