Por Marcus Eduardo
de Oliveira (*)
A discussão em torno da necessidade
de se obter a qualquer custo elevadas taxas de crescimento econômico tem
propiciado cada vez mais a aproximação entre a reflexão econômica e a
ecológica. No passado, essa relação sempre se manteve distante, em tom nada amistoso,
o que provocava, por conseguinte, o aguçamento dos lados conflituosos. Parte
considerável desse antagonismo residia, especialmente, em torno da problemática
do crescimento da economia versus exploração de recursos naturais. Visto por
outro prisma, estamos nos referindo ao conflito entre as Leis da Economia (que
objetivam o crescimento da atividade produtiva) versus as Leis na Natureza (que
determinam o quanto de recursos estão disponíveis para se atingir esse
crescimento).
No calor desse debate que ainda se
mantém vivo nos dias atuais, as divergências acirraram-se quando se busca
estipular parâmetros para o desenvolvimento de uma economia mais verde que
seja, caracteristicamente, mais respeitosa em relação ao meio ambiente. De um
lado, há os que defendem um crescimento da economia a qualquer custo, vendo
nisso a saída mais rápida para atenuar os graves problemas de ordem social. Do
outro lado, há os que clamam pela interrupção imediata de uma taxa de
crescimento que tem gerado mais passivo ambiental que proporcionado melhorias
coletivas.
O lado bom dessa discussão é que
inevitavelmente algumas verdades sempre vêem à tona. Uma delas, por exemplo,
aponta que a atividade econômica, na voracidade de produzir mais, enaltecendo
assim apenas o lado quantitativo do processo produtivo com o intuito único em
atender aos ditames do mercado, sempre se posicionou de forma extremamente
agressiva no ato de extrair recursos da natureza. O resultado disso é o total
desequilíbrio ecológico que temos presenciado. Fora isso, a “agressão
econômica” sobre o meio ambiente continua durante todo o processo produtivo e,
principalmente, após o consumo final “soltando” resíduos que também vão
diretamente agredir o planeta Terra.
Ademais, essas “verdades” não param
por aí. Dessa dialética entre economistas pró desenvolvimento e ecologistas pró
preservação, há que se firmar a irretocável veracidade de outro assunto: não há
mais espaço físico – nem condições - para se fixar metas de crescimento
exponencial. Os recursos para tal desejo são, por definição, finitos. Assim
como a própria biosfera também é finita, limitada e hermeticamente fechada. Ou
seja, em curtas palavras, não aumentará de tamanho. Qualquer tentativa de ir
contra essa verdade é, em essência, potencialmente geradora de passivos
ambientais.
Vejamos então que esse debate além de
ser interessante é revestido de tom polêmico. Para aguçarmos ainda mais esse
debate, essa polêmica propriamente dita, apresentamos a seguir, em forma de
apontamentos, algumas considerações sobre essa questão que, na essência, vamos
aqui chamar de Ecoeconomia, resgatando assim uma expressão definida e
consagrada pela primeira vez por Lester Brown. Essa Ecoeconomia visa, na
prática, reconhecer que a Economia não pode ser pensada sem o auxílio da
Ecologia. E mais: definitivamente a economia precisa se reconhecer como sendo
um subsistema de algo maior que é o meio ambiente. Clóvis Cavalcanti, um dos
economistas brasileiros mais comprometidos com a defesa da economia ecológica
pondera que “...não se trata de aceitar um dogma de fé, mas de reconhecer
inquestionável evidência: não existe sociedade (e economia) sem sistema
ecológico, mas pode haver meio ambiente sem sociedade (e economia).”
Dito isso, vamos a alguns
apontamentos que realçam essa relação entre o pensamento econômico em conjunto
ao pensamento ecológico:
* Pelo menos desde o Neolítico
(12.000 anos a.C.) todas as sociedades históricas consomem de forma crescente
energias da natureza;
* A partir dessa constatação faz-se necessário conciliar a Economia com o Meio
Ambiente, tendo em vista que tudo, absolutamente tudo, vem da natureza. Não é
mais possível que os economistas (em especial os acadêmicos de cunho
tradicionalista) continuem a ignorar essa realidade. A Economia precisa estar
em fina sintonia com a Ecologia.
* O fato mais grave, no entanto, é que a teoria econômica tradicional propõe o
crescimento econômico sem limites, de forma exponencial e ininterrupto, a
qualquer custo, e esquece, nesse pormenor, que a biosfera é finita, limitada e
não aumentará de tamanho. Nesse sentido, é absolutamente ignorado pelas Leis da
Economia o pressuposto básico que aponta para um crescimento econômico que
feito à revelia somente será capaz de produzir passivo ambiental. Essa questão
é simples: não há espaço para todos; muito menos há recursos disponíveis para
transformar a Terra num “Éden” como querem alguns. Assim, definitivamente a
Terra não pode produzir tudo àquilo que a sanha consumista deseja;
* Gandhi, um dos seres mais Iluminados que habitou o planeta Terra, a esse
respeito profetizou que: “A Terra é suficiente para todos, mas não para os
consumistas”;
* Entretanto, de forma estúpida, irracional e pouco inteligente, a Economia não
é mais entendida como gestão racional da escassez, mas sim como a ciência capaz
de crescer exponencialmente, sendo que esse crescimento irá na opinião de
alguns curar todas as enfermidades do mundo.
Dessa forma, o que temos pela frente?
De um lado, temos um “crescimento”
das necessidades das pessoas que vão se avolumando mais e mais, fruto de uma
conta matemática que chega a ser assustadora: descontadas as mortes, temos a
cada dia 200 mil novas almas nascendo em partes diferentes do mundo. Ao ano,
são mais de 70 milhões de novos habitantes no planeta Terra.
Mesmo assim, dizem os inconseqüentes
(em especial os economistas acadêmicos pouco sensíveis aos problemas
ambientais), que o mais importante é crescer, aumentando a produção para
atender toda essa gente que está chegando ao planeta Terra. Apenas a título de
ilustração cabe apontar que em apenas 50 anos, de 1950 a 2000, o PIB mundial
saltou de 6 trilhões de dólares para 43 trilhões. Portanto, aumentou sete vezes
de tamanho. E a população, como se comportou ao longo do tempo? Em 1900, havia
1,5 bilhão de pessoas no mundo. Hoje, 111 anos depois, dividimos o mesmo espaço
no planeta Terra com 6,7 bilhões de pessoas.
Dessa forma, cremos ser necessário
pôr fim à idéia de um crescimento econômico exponencial por dois singelos
motivos: 1°) Esse crescimento não eliminará todos os males sociais e econômicos
do mundo; 2°) Os limites para tal crescimento são dados pelos recursos finitos
da natureza.
Ora, diante dessa realidade
inelutável, é possível concluir que a Ciência Econômica desde seu nascedouro,
se encontra anos-luz de distância e totalmente “desconectada” da realidade
ambiental e, além disso, essa mesma ciência econômica não percebe os riscos que
a insistência num crescimento sem respeito à biosfera está provocando.
A Economia que aí está, praticada de
forma livre, leve e solta pelas sociedades modernas e industrializadas, ainda
não se deu conta que se trata apenas de um subsistema da natureza e que
depende, substancialmente, dessa natureza para tudo – absolutamente para tudo.
Tudo é fruto da questão da natureza.
Vejamos que até mesmo as estrelas são essenciais nessa história de uma íntima
relação entre Economia, Meio Ambiente e a capacidade de assegurar a vida de
todos nós, pois são as estrelas que convertem o hidrogênio em hélio e, da
combinação deles provém o oxigênio, o carbono, o fósforo e o potássio, sem os
quais não haveria os aminoácidos nem as proteínas que são elementos
indispensáveis à vida.
No entanto, os “limites” ao
crescimento econômico continuam sendo ignorados pela economia tradicional. Para
o crescimento de qualquer economia é necessário matéria e energia. Acontece que
o animal-homem não pode criar num piscar de olhos nem matéria nem energia.
Entretanto, infelizmente, o sistema
econômico sempre viu a natureza e seus recursos como um mero objeto para ser
transformado, explorado e sugado. Nunca, em momento algum, esse sistema que
“regula” as atividades da economia que conduz, por sua vez, a busca por taxas
de crescimento econômico imperfeitos, falhos e destruidores, olhou para a
natureza como algo a ser cuidado e protegido. A lógica mercadológica que
prevalece é a de sempre: exploração.
Diante disso, é possível afirmar que
enquanto as Leis da Economia continuarem ignorando por completo as Leis da
Natureza, o nosso futuro estará a cada segundo que passa mais comprometido,
expondo, por conseqüência, todos nós em sério risco.
Convém lembrarmos que não é a Terra
que entrará em extinção com o desajuste entre a atividade produtiva e o sistema
ambiental; somos nós que entraremos em “conflito”. Quem então está condenado? A
Terra? Não, nós – a nossa espécie.
De toda sorte, urge entendermos que é
necessário trocar o crescimento (quantidade) por desenvolvimento (qualidade),
sempre olhando atentamente para o equilíbrio ecológico.
A continuar do jeito que está, com as
coisas sendo feitas à revelia do equilíbrio ecológico, priorizando apenas os
mecanismos de mercado que clama por mais lucros, somente quando o colapso
ambiental se fizer evidente para todos, talvez aí sim recordá-lo-emos das
sábias palavras do cacique Seattle: “Quando a última árvore for abatida, quando
o último rio for envenenado, quando o último peixe for capturado, somente então
nos daremos conta de que não se pode comer dinheiro”.
Enquanto esse dia não chega que
coloquemos desde já as mãos na cabeça para refletirmos sobre o que estamos
fazendo a nós mesmos! E que dessa reflexão, encontremos as soluções necessárias
para mudarmos a história que tem sido contada até hoje. A vida certamente nos
agradecerá!
________________________________
(*) Economista e professor de economia da FAC-FITO e do UNIFIEO (São Paulo).
Mestre pela USP em Integração da América Latina é especialista em Política
Internacional pela FESP. Autor dos livros “Conversando sobre Economia” e
“Pensando como um Economista”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.