Compartilho na íntegra a homenagem prestada pelo Conselho
Regional de Economia do Estado do Pará (CORECON-PA), Sindicato dos Economistas
do Estado do Pará (SINDECON), Associação de Oficiais da Reserva do Exército
Brasileiro (AORE), Conselho Federal de Economia (COFECON) e Federação Nacional
dos Economistas (FENECON), que eu escrevi e que foi lida por ocasião da Missa
de Sétimo dia do Prof. Armando Dias Mendes no último dia 21 de junho.
Armando Dias Mendes: o legado de um mestre
Eduardo
José Monteiro da Costa[1]
No último dia 15 de junho de
2012 a sociedade amazônica entrou em um profundo luto, afetivo, moral e
intelectual. Os amazônidas perderam uma de suas maiores referências. Exemplo de
amigo, irmão, professor e mestre. Um sonhador por natureza. Alguém que
perseguia a utopia. Faleceu no período da tarde, em sua residência em Brasília,
Armando Dias Mendes. Ícone do pensamento crítico sobre o desenvolvimento da
Amazônia; Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais; Especialista em
Planejamento Regional; professor e Pró-Reitor da UFPA; Doutor honoris
causa pela
Universidade Federal do Pará (UFPA) e pela Universidade da Amazônia (UNAMA); fundador
do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA); membro destacado e fundador da
Associação de Oficiais da Reserva do Exército Brasileiro (AORE); membro emérito
do Conselho Regional de Economia do Estado do Pará (CORECON-PA). Foi Assessor
Especial do Ministro e Secretário-Geral do Ministério da Educação; Professor
Colaborador da Universidade de Brasília (UNB); relator do Currículo Mínimo do
Curso de Ciências Econômicas no Conselho Federal de Educação; presidiu a
Associação Nacional dos Centros de Pós-Graduação em Economia; e foi eleito Personalidade
Econômica do Ano de 2006 pelo Conselho Federal de Economia (COFECON), onde recentemente
atuava como Consultor para Amazônia, desenvolvimento sustentável e ensino
superior.
Dentre as inúmeras funções
públicas que desempenhou, presidiu o Banco de Crédito da Amazônia (antecessor
do Banco da Amazônia) e coordenou o I Plano Quinquenal de Desenvolvimento da
Amazônia (1955-1959) para a Superintendência do Plano de Valorização Econômica
da Amazônia (SPVEA), que antecedeu atual Superintendência de Desenvolvimento da
Amazônia (SUDAM).
Não há dúvida de que Armando
Mendes, do início ao final de sua jornada, sonhava com uma trajetória diferente
para a nossa região. Em sua jornada deixou vários rastros e um imenso legado
intelectual: inúmeras palestras e conferências. Diversos livros publicados: Estradas
para o desenvolvimento; Viabilidade Econômica da Amazônia; A Invenção da
Amazônia; Instrumentos para a Invenção da Amazônia; Ciência, Universidade e
Crise; O mato e o mito; A casa e as suas raízes; A cidade transitiva; Amazônia
– modos de (o)usar; e, O Economista e o Ornitorrinco.
Foi
por lutar por causa nobre, a Amazônia, que no dia 21 de abril de 2008 recebeu
na Cidade de Palmas, Tocantins, o Prêmio Samuel Benchimol. Em seu discurso de
agradecimento já destacava de forma crítica que a Amazônia era estigmatizada
entre dois
fundamentalismos nefelibatas: o ecológico e o econômico. Como contraponto
Armando Mendes clamava para que a Amazônia: não fosse mera extensão nacional,
mas reta intenção; não se configurasse como questão regional, mas nacional de
primeira linha; superasse o antagonismo do caráter bi-polar, contraditório e
ambíguo da postura nacional frente à região; fosse receptáculo de ações pela
região e não somente na região; suporta-se os usos, mas rejeitasse os abusos;
fosse alvo de amor benevolente do Estado do Brasil, e não de domínio sobre o
Estado do Grão-Pará; fosse palco de dois dois imperativos categóricos do
momento: o envolvimento com o hábitat, o desenvolvimento do habitante.
Dentre as inúmeras lições do mestre é possível
destacar a necessidade enfrentar uma causa social e não pessoal. Em seu artigo “A Oca e a Flexa”, Armando Mendes
ressaltava: “ É preciso, pois, garantir a existência de um lugar para reflexão
ininterrupta e sistemática, já não sobre o existir físico, mas sobre o pulsar
do espírito do lugar amazônico – a sua alma mater. Essa reflexão há de se
tornar tarefa irrecusável dos amazônidas de boa cepa, os nativos e os adotivos
— partes conscientes e viventes da obra da criação prolongada, situada aqui,
ainda em curso, inconfundível”
No último dia 06 de junho o
professor Armando Mendes, como gostava de chamá-lo, brindou uma atenta plateia
por ocasião da abertura do VI Encontro de Economistas da Amazônia com a
Conferência Magna: “1912 – 2012 Cem Anos da Crise da Borracha na Amazônia: Do
Retrospecto ao Prospecto”. Não imaginávamos, mas era a sua despedida! Deixou a
nossa convivência em alto estilo, com humor, irreverência, mas acima de tudo
apresentando uma visão crítica sobre a forma como a nação brasileira trata a
Amazônia. Relacionou a problemática da Amazônia com
diversos clássicos da literatura brasileira. Chamou atenção para a forma como a
Amazônia vem sendo castigada por um pacto federativo perverso. Recorrendo a sua
memória histórica contou ao público presente como a Constituição “Cidadã” de
1988, que se propunha lutar contra as desigualdades sociais e regionais, foi,
por manobras das bancadas de estados mais desenvolvidos, distorcida em seus
aspectos fundamentais. Para Armando Mendes a Constituição Federal é
contraditória na medida em que por meio de uma série de legislações
complementares acabou construindo um modelo federativo que reforça as
desigualdades regionais. Assim, se referindo à forma como alguns estados são
tratados, destacou que “alguns são mais iguais do que os outros!”
Como
bons discípulos, se aprendemos bem a lição do mestre Armando Mendes, podemos
dizer que se em algum momento a Amazônia como nós hoje a conhecemos foi
inventada, e o foi, principalmente através de políticas e ações coordenadas
pelo Governo Federal, hoje a Amazônia precisa ser reinventada.
Compartilho em sua homenagem
um pequeno trecho, que considero bastante apropriado, da abertura de sua
conferência no dia 26 de junho de 2006, quando por ocasião do XXI Simpósio
Nacional dos Conselhos de Economia (SINCE), realizado na Cidade de Vitória
(ES), recebeu a Comenda Personalidade Econômica do Ano outorgada pelo COFECON:
“Serei
simples, sucinto e sóbrio como Paulo na segunda carta a Timóteo: Combati o bom
combate, completei o percurso, guardei a fé (...) Agora é essencialmente o
empenho por uma causa superior, que ela em mim personaliza: a causa dos
economistas. Dos bons economistas - competentes. Dos economistas bons - compassivos.”
Mais a frente Armando Mendes continuava, como
a leveza de quem também era poeta: “A comenda pessoal, essa eu a incorporo com
singeleza ao meu currículo já em preocupante contagem regressiva. E prossigo na
incessante caminhada no Caminho do Parauassu ou Grão-Pará, ou Rio Grande das
Amazonas. Ao fim e ao cabo a Amazônia (...) Esse, o caminho a palmilhar
incansavelmente. Esse, na verdade, o caminho líquido e certo em que é preciso
não se deixar levar de bubuia no remanso e muito menos na pororoca. Nele cumpre
navegar com uma boa carta de marear, posto que estamos postos sobre o Rio-Mar.
Pois navegar – e agora sou eu que vou de bubuia com Pessoa - navegar é preciso
(...) Como dizia a seu modo, em outro contexto vivencial, filho meu de nome
Aluísio – já por Deus levado faz tempo, Deus seja louvado – mais do que
existencialistas tardios precisamos ser ‘insistencialistas’ antenados. A senha
é essa: não desistir. Insistir, insistir, insistir".
Quem teve o privilégio de conviver com Armando
Mendes e o discernimento de guardar os seus ensinamentos certamente se tornou
um cientista social com uma visão mais abrangente e crítica do mundo. Como
lição levamos o seu exemplo, não basta interpretar os fenômenos, é preciso
intervir e mudar a realidade.
Professor Armando Mendes, muito obrigado!
Pela convivência respeitosa e harmoniosa. Pelos diversos ensinamentos. Pelo
estímulo a busca por uma trajetória diferente de desenvolvimento para a
Amazônia. Pelo exemplo de economista, pai, professor e amigo. Seguimos nós que
aqui na bubuia da vida, nos remansos amazônicos, insistindo, insistindo,
insistindo. Adeus!
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