Por Juliano
Corbellini – Publicado originalmente em Política para Políticos em 11/03/2014
Não é novidade a consideração de que a
política, no mundo contemporâneo, passou por uma metamorfose no sentido de sua
“midiatização”. O sentido da palavra “midiatização”, entretanto, na maioria das
vezes não é compreendido com a abrangência devida.
O processo de “midiatização” significa
muito mais do que a ocupação de espaços de propaganda nos veículos de
comunicação. Antes disso, significa “mediar” (mídia = “media” (ingl.);
midiatização= “mediatizzazione” (it.)), ou seja, “passar do (im)ediato ao
“mediato”, do contato direto a representação substitutiva do evento político”.
Numa sociedade de massas, o processo
de comunicação através da mídia de massa “media” o contato dos cidadãos com
eventos com os quais eles não têm contato direto e imediato. Assim, pode-se
dizer que um governo “acontece” em dois planos: o plano “imediato” naquele em
que os cidadãos vêem a obra e percebem diretamente os seus benefícios; e o
plano “mediato”, que é a “representação substitutiva” da obra ou do evento
político.
O segundo plano dificilmente se
sustenta artificialmente sem o primeiro. Mas o primeiro plano se dissipa e se
dissolve sem o segundo. Os governantes, que vivem no mundo “imediato”, lutam
sempre contra o risco de uma visão distorcida sobre o seu próprio governo. Eles
vêem o governo que “realmente acontece”, mas não necessariamente o governo que
é percebido de maneira mediatizada pelos cidadãos.
O processo de “mediatização” de um
governo, através do qual ele acontece nesse segundo plano que é decisivo para o
seu acumulo de capital político, significa essencialmente vencer a batalha pela
conquista da visibilidade. A frase também parece óbvia, mas talvez não o seja
tanto em seu significado, e nas dificuldades que ela implica. A conquista da
“visibilidade política” não se reduz a uma visibilidade de tipo “expositiva”.
Assim o fosse, bastaria novamente
empilhar obras em anuncios pagos nos meios de comunicação. A conquista da
“visibilidade política” para um governo (assim como em uma campanha) significa
a vitória numa batalha em que se precisa “explicar eventos políticos,
justificar ações políticas, afirmar uma identidade política, pautar e
estruturar o debate político”.
Trata-se de uma visibilidade
representativa de determinados valores e conteúdos. Por exemplo, quando eu digo
“abri um posto de saúde”, eu estou “expondo” um evento político. Quando eu digo
“abri um posto de saúde porque minha prioridade é a agenda social”, estou
explicando, justificando, firmando uma identidade, pautando os meus adversários
para um debate que me favorece.
Obras e realizações administrativas
legitimam e são a base necessária de um processo de comunicação de governo, mas
não são entretanto condição suficiente para vencer a batalha da visibilidade.
Um segundo aspecto da batalha pela
visibilidade é o que se chama “geometria da visibilidade”. O êxito da
visibilidade de um governo, ou seja, o processo de legitimação de uma
informação que é “mediata”, não depende só da competência publicitária e
estratégica de suas ações de mídia.
O governo não é o único “agente” nesse
processo. Existem outros dois agentes fundamentais para dar credibilidade a
essa informação: a imprensa, que também “media” o governo ao reproduzir
noticias e emitir opiniões sobre o governo, e a própria comunidade, que ao
“falar” (bem ou mal) sobre o governo também age como “formadora de opinião”
(aliás, as vertentes mais modernas da sociologia política não falam só em “um
grupo” de formadores de opinião, mas em “grupos” formadores de opinião
existentes em cada estrato social).
Esses dois segmentos sociais possuem
uma importância estratégica primordial, na medida em que a “informação de
governo” possui, a princípio, uma baixa credibilidade, pela razão evidentemente
interessada que a motiva. Assim, a batalha pela visibilidade, pela “percepção mediatizada”
do governo, deve saber operar o tripé mídia publicitária- imprensa- comunidade.
Seu êxito, assim, depende de uma operação sinérgica nessas frentes.
Os desafios da comunicação de governo,
dessa maneira, guardam algumas similitudes com os desafios de comunicação de
campanha: ele precisa ter foco e ser repetitivo para ganhar visibilidade e
fixar conteúdos, e precisa ter uma equação estratégia que faça com que o seu
conjunto de obras e realizações convirjam para afirmar uma identidade sua,
formando uma opinião política na comunidade que preserva e ampliar o seu
capital política.
Todos os princípios estratégicos do “modo de campanha” (manter o foco, dominar
a agenda, fazer do adversário parte de sua estratégia e não o contrário, etc.)
continuam, assim, valendo no “modo de governo”.
As distinções, porém, são também
fundamentais. A população aceita e até exige que o governo mostre realizações,
mas, ao contrário do momento da campanha, está em melhores condições para
“flagrar” a propaganda enganosa ou fictícia.
No momento da campanha, o “diálogo”
fundamental que se estabelece é entre as campanhas adversárias (ou seja, entre
atores todos de baixa credibilidade).
No momento de governo, o “diálogo” que
se estabelece em regra é governo-imprensa-comunidade, um diálogo onde o governo
tem menos credibilidade, mas em compensação pode jogar praticamente sozinho na
administração dos seus recursos. O seu desafio, assim, é jogar o máximo de
virtude nessa administração de recursos.
Seria o público para o público ou o contrário? rs
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