Isaltino Gomes Coelho Filho
Numa revista evangélica vejo uma
propaganda camuflada de ação evangelizadora: 300 cristãos indo a Israel para
“atos proféticos” para efetuarem “a unção do mar da Galiléia para que o
avivamento chegue a todos os habitantes de Israel e oração no monte Carmelo
para queimar toda a incredulidade e sofismas sobre Jesus, o Messias”.
Presumo que o conceito de “atos
proféticos” tenha seu lastro nos atos de Isaías e de Jeremias (Is 20.1-4, Jr
19.1-10, por exemplo). Nos profetas, estes atos são chamados de “profecia simbólica”.
Porque a profecia pode ser oral (“Assim diz Yahweh”), visual (“Que vês,
Jeremias?”), simbólica (quando um ato simboliza o que Deus fará) e factual
(quando um fato histórico é profético, como a Páscoa e o episódio de Números
21.4-8 profetizam a obra de Jesus). “Atos proféticos” têm tênue semelhança com
profecia simbólica. Uma leve tintura bíblica, mas não é ensino bíblico para
prática.
Nos profetas, tais atos foram usados
por Deus para demonstrar algo que ele faria. Na reengenharia espiritual pirotécnica
do neopentecostalismo, eles são causadores do que os gurus pretendem. Nos
profetas bíblicos é uma revelação divina. Nos “profetas” atuais é uma
determinação humana. Na Bíblia, Deus revelava o que faria. Agora, os homens
determinam a Deus, com seus atos, o que ele deve fazer. Além da visão exagerada
a seu próprio respeito, beirando à megalomania, os fazedores de atos proféticos
têm uma visão distorcida das Escrituras. Na teologia cristã, cristalizada há
séculos, a Bíblia é a Palavra de Deus, autoritativa e normativa. No
neopentecostalismo, a Bíblia é indicativa. Ela indica ações que deram certo e
que podemos repetir. Ela não é Palavra de Deus, uma revelação verbalizada e
proposicional, acontecida na história, mas um depósito de práticas religiosas que
podemos utilizar. Ela não mostra o Deus que age na história, mas revela
práticas que devem ser repetidas. Neste enfoque, o poder não está em Deus, mas
nelas. O foco é o agir humano. Este produz o agir divino.
O abandono da Bíblia como fonte de
autoridade, o desprezo pelo seu estudo, o sarcasmo para com os que se
aprofundam nela e a vaidade de se presumirem como oráculos de Yahweh e de não
subordinarem seus insights ao crivo de outros, produzem esses
gurus e suas pirotecnias. Um mínimo de razão (que não é pecado; Deus no-la
deu): jogar azeite no mar da Galiléia vai produzir avivamento em Israel? É de
avivamento ou de conversão que Israel precisa? Por que a deificação do azeite
ou da unção? Ungem-se pessoas para vencerem o Diabo. O azeite “fecha o corpo”?
Ou o Diabo é vencido conforme as orientações bíblicas (Ef 4.27, Tg 4.7 e
outras)? Unção de mar faz alguém se converter ou é a evangelização e ação de
Deus através dos crentes, na história e como ele deseja? A ideia de atribuir
poderes mágicos ao azeite nada mais é que a visão pagã de que as coisas contêm
energia espiritual. Produto do orientalismo que invadiu o ocidente com o
movimento Nova Era, que nada mais era que o velho paganismo.
A pirotecnia é atraente por ser
dramática. E porque é mais fácil fazer uma oração poderosa (geralmente aos
gritos, pois estas pessoas associam poder espiritual a volume de decibéis)
“para queimar toda a incredulidade e sofismas sobre Jesus, o Messias” que
dobrar os joelhos em busca de autoridade espiritual e estudar para ter como
argumentar com os judeus sobre o Messias. O neopentecostalismo é uma busca de
atalhos, produto de uma cultura enraizada numa sociedade fast food,
em que ninguém quer esperar. É pílula ou cirurgia para emagrecer, e não a
disciplina ou tratamento. É o creme que reduz celulite enquanto a mulher dorme.
Ou que faz nascer cabelo enquanto o homem toma seu chope.
A redução da vida cristã em toda a
sua complexidade (mesmo na sua simplicidade) a atos pomposos eivados de
pirotecnia espiritual está criando uma geração de cristãos preguiçosos, que não
encaram a dureza da vida cristã nem praticam as disciplinas espirituais
(leitura da Bíblia, oração, mortificação diária do seu eu, comunhão com os
santos, etc.), mas buscam festa e artificialidade.
Evangelizar grupos específicos requer muito preparo
espiritual e bastante estudo. Deus me deu o privilégio de dialogar com algumas
pessoas de formação marxista, em meus estudos e no decorrer de meu ministério.
Algumas delas foram batizadas, outras ficaram pensativas e outras mais fizeram
o escarcéu habitual de quem se julga emancipado de Deus, e me consideraram um
indigente mental. Foi duro, requereu estudos e até aborrecimentos. Nunca ungi O
capital para ganhar algum deles para Cristo. Foi oração e preparo.
Se as coisas fossem assim tão fáceis,
bastaria ungir o Lago Paranoá, a sede dos partidos políticos e os palácios de
governos estaduais e municipais. Ah, sim: sem esquecer o Congresso e as câmaras
estaduais e municipais. Mas não é assim que funciona. É pela atividade dos crentes,
testemunhando, vivendo o evangelho, questionando atitudes erradas e denunciando
o pecado. O modelo do Novo Testamento é o sal salgando a sociedade e não o
azeite ungindo o mundo.
Sem dúvida que aparecerão trezentas
pessoas para irem a Israel ungir o mar da Galiléia e gritar no monte Carmelo.
Mas duvido que isso produza a conversão de um judeu sequer.
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