Compartilho
a entrevista de Walter Friedman para a Revista Época (12/2013), na qual o autor
destaca que em economia é impossível fazer previsões precisas. Trata-se de uma
boa reflexão sobre a mania que a sociedade tem de querer que os economistas
prevejam sempre o futuro.
Entrevista
- Walter Friedman
Revista
Época - 30/12/2013 - "É impossível fazer previsões precisas" - Josué
Fucs
O
historiador americano compara os economistas aos videntes e diz que muita gente
se interessa por teorias malucas para tentar saber o que vem por aí.
O
professor Walter Friedman, diretor do projeto de história dos negócios na
Universidade Harvard, é, antes de mais nada, um provocador. Em seu novo livro,
Fortune tellers (Videntes), lançado recentemente nos Estados Unidos, ele relata
os primórdios da "indústria" de previsões econômicas. Compara os
pioneiros da atividade e seus sucessores contemporâneos a videntes de todos os
gêneros. Segundo Friedman, apesar de as previsões dos economistas não serem
absolutamente precisas, elas nos ajudam a tomar decisões melhores, com base na
lógica e na razão, não apenas em adivinhações. "O futuro nunca é
previsível", afirma. "Isso não significa que deixaremos de tentar
prever o que acontecerá."
ÉPOCA
- Em seu novo livro, o senhor compara os economistas e analistas de mercado que
fazem previsões econômicas aos videntes. Por quê? O que eles têm em comum?
Walter
Friedman - Os videntes dão insights sobre os mistérios da vida. Os economistas
fornecem insights sobre como a economia capitalista funciona, dão sentido a
conceitos complexos. No final do século XIX e no início do século XX, período
de que trato no livro, isso era algo reconfortante, especialmente nos Estados
Unidos, onde se sucediam pânicos econômicos, que surgiam do nada. Esse pessoal
ajudou a mostrar que o capitalismo não é um sistema totalmente caótico e que
aquilo fazia parte de um ciclo que, de alguma forma, era previsível. Muitos dos
pioneiros nas previsões econômicas adotaram o modelo usado na meteorologia.
Usavam ciclos para comparar o mundo econômico ao mundo natural. Se o tempo vem
em estações previsíveis, por que não poderia haver estações também na economia?
Hoje, a ideia dos ciclos econômicos ainda é popular. Você vê isso o tempo todo
na imprensa e em relatórios anuais das empresas. Embora não haja nada muito
cíclico na economia, nos atemos à ideia de que as flutuações econômicas ocorrem
em ciclos, não de forma mais ou menos imprevisível.
ÉPOCA
- Em sua visão, as previsões econômicas podem ser consideradas como ciência ou
não passam de bruxarias pouco confiáveis?
Friedman
- Podemos dizer que elas são as duas coisas. São uma ciência, mas também exigem
muita intuição. A história nos mostra que as previsões econômicas nunca são
absolutamente precisas. Ao mesmo tempo, nos ajudam a tomar decisões melhores,
com base na lógica e na razão, não apenas em adivinhações. Ao observar
indicadores ou dados históricos, podemos ter uma ideia melhor de como as coisas
mudaram ao longo do tempo. E uma forma melhor de fazer previsões do que levar
em conta a posição das estrelas ou algum outro fenômeno do gênero.
ÉPOCA
- É possível prever eventos econômicos? Prever o futuro da economia é diferente
de outros tipos de futurologia?
Friedman
- O futuro nunca é previsível. Isso não significa que deixaremos de tentar
prever o que acontecerá. Só porque as previsões não são precisas, não significa
que elas sejam uma perda de tempo. Em nosso esforço para prever o futuro,
muitas coisas boas apareceram e se desenvolveram. O Escritório Nacional de
Pesquisas Econômicas dos Estados Unidos, por exemplo, fundado em 1920, foi
criado para medir os ciclos da economia e dos negócios, como parte do esforço
para fazer previsões. O conceito de Produto Interno Bruto (PIB) também surgiu
como forma de medir a evolução da atividade econômica ao longo do tempo. A
econometria, que dominou o campo das previsões econômicas no final do século
XX, desenvolveu-se a partir das previsões feitas pelo economista Irving Fisher
(1867-1947), o primeiro a usar equações matemáticas para tentar entender como a
economia funciona. Fazer previsões é uma grande atividade. Só que não podemos
confiar totalmente no que elas dizem.
ÉPOCA
- É por isso que os economistas erram tanto em suas previsões?
Friedman
- A economia é muito complicada. Como disse há pouco, é impossível fazer
previsões precisas. Você deve observar o que os economistas fazem quando
cometem algum erro. A forma como agem quando erram uma previsão é um aspecto
importante para saber se são honestos. Se admitirem o erro e explicarem por que
ele aconteceu, é um bom sinal. Esses são os melhores a seguir.
Agora,
se eles procurarem mostrar que estão sempre certos e que algum fator externo
acabou afetando suas previsões, é um problema. Alguns economistas investem
muito tempo fazendo marketing pessoal. Infelizmente, esses tendem a ser os mais
bem-sucedidos, embora não tenham senso de humildade e fiquem fazendo campanha
para si mesmos.
ÉPOCA
- Quase ninguém consegue prever os momentos de ruptura, como as crises de 1929
e 2008. Por quê?
Friedman
- Os mesmos modelos básicos sobrevivem às crises. Depois de grandes rupturas
como as que você menciona, alguns se tornam mais preeminentes que outros. Até
1929, a ideia de que havia ciclos econômicos fixos, mensuráveis e previsíveis,
predominava. Embora eles não fossem medidos a cada sete ou dez anos, as pessoas
acreditavam que era um fenômeno mais ou menos previsível. Depois de 1929, esse
modelo continuou, mas perdeu seguidores. Ganhou preeminência o modelo
econométrico, segundo o qual é possível adotar políticas para influenciar os
ciclos de negócios. As previsões econômicas passaram a se basear mais no efeito
gerado pela política econômica. Depois da crise de 2008, aconteceu a mesma
coisa. Os mesmos modelos continuaram a existir, alguns com mais preeminência,
outros com menos, mas até agora não surgiu nenhum modelo novo.
ÉPOCA
- Com tudo isso, devemos acreditar nas previsões econômicas?
Friedman
- A economia capitalista é dependente de previsões. Não pode haver uma economia
se você simplesmente acreditar que o futuro é caótico. Então, independentemente
de ser confiáveis ou não, continuaremos a ter previsões. A pergunta é: que
previsões são melhores para você tomar decisões? Isso tem a ver com o que você
acha importante para a economia ou com o que pode mudar a economia e com todo
tipo de considerações pessoais. A "indústria" de previsões será
sempre um negócio próspero. Não dá para ter uma economia em que as pessoas
criam inovações, fazem investimentos, abrem novas indústrias, se você
simplesmente acreditar que o futuro é aleatório.
ÉPOCA
- Em sua opinião, as ferramentas usadas pela indústria de previsões econômicas
são mais confiáveis?
Friedman
- Não diria que sejam mais confiáveis, mas são mais sofisticadas do que eram.
Carregam muito mais conhecimento. No início do século XX, os pre-visores
desenvolveram muitas das ferramentas usadas ainda hoje, incluindo a análise
técnica do crescimento econômico, a análise fundamentalista, a econometria, o
uso de indicadores econômicos. Tudo isso vem daquela época, embora fosse mais
primitivo do que hoje. As premissas são as mesmas. A economia também é mais
complicada hoje do que era.
ÉPOCA
- Parece que as pessoas estão mais interessadas em ter uma ideia do futuro
desenvolvimento de eventos econômicos, mas não se importam muito com as
metodologias...
Friedman
- É verdade. As pessoas querem acreditar que alguém entende como a economia
funciona e tem uma boa ideia de para onde ela vai. Isso é bom e ruim. É bom
porque leva as pessoas a se interessar pelo assunto e a fazer a própria
pesquisa, em relação aos principais indicadores econômicos. Ao mesmo tempo, é
ruim, porque algumas pessoas acabam se interessando por teorias malucas em
razão dessa necessidade de ter alguém para lhe dizer o que vem por aí. Falo
sobre isso no livro em relação a Roger Babson, empreendedor e economista
americano (1875-1967). Muitas de suas teorias não faziam nenhum sentido. Ele as
baseou nos trabalhos de Isaac Newton. Quando acertou suas previsões um par de
vezes, muita gente passou a segui-lo. As pessoas não tinham interesse em saber
o que estava por trás de suas previsões. Acreditavam apenas que, como ele tinha
conseguido acertar, acertaria de novo. Esse é o perigo. Então, acredito que, se
você pretende seguir previsões, precisa saber o que os economistas levam em
conta para fazê-las. Você tem de entender os métodos usados para fazer as
previsões.
"As pessoas querem acreditar que alguém sabe como a economia funciona e para onde ela vai"
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