Isaltino Gomes Coelho Filho
Nas palestras que apresentou no Trinity College, em Glascow, o teólogo suíço Emil Brunner focalizou os escândalos do cristianismo ao mundo da razão. A primeira palestra abordou o escândalo da revelação histórica. Ele comenta a recusa do homem em aceitar que em um determinado período da história, em três décadas, Deus esteve presente fisicamente no mundo, fez história, e todo o destino da humanidade foi definido neste período. Isto soa como non sense. Além disto, é um absurdo crer que Deus escolheu um povo, Israel. Por que não a Índia? Por que não outro mais adiantado? Por que não falou com todos? Os mórmons “resolveram” isto. Não deixaram os Estados Unidos para trás. Fizeram surgir uma “revelação” nos States… O mormonismo resolveu este complexo de inferioridade norteamericano (“Deus fez uma revelação aqui, também!”).
A revelação de Deus na história é uma declaração da impossibilidade do homem em encontrar Deus sem que este se manifeste. Afirma também que a salvação do homem está fora dele. Porque o metafísico os homens constroem com seu raciocínio. A revelação de Deus na história independe do querer e fazer humanos. Fichte expressou bem a frustração do orgulho humano, mesmo que não quisesse reconhecer isto: “Somente o metafísico salva, não o histórico”. Em outras palavras: sou eu, e não algo fora de mim, que deve me salvar. Lessing foi além de Fichte: “Fatos históricos jamais podem ser uma prova para a verdade eterna da razão”. O problema, Lessing, é que fatos históricos, embora possam ser culturalmente reinterpretados, não podem ser mudados. São eternos. A razão não é eterna, porque se modifica. A única coisa que não muda na razão é o orgulho, mas as opiniões mudam. A razão não pode oferecer algo imutável. Só a história.
Rejeitando fatos históricos como a revelação de Deus no tempo e no espaço, e na pessoa histórica, concreta e real de Jesus de Nazaré, o homem transforma a religião em misticismo oco. Repleta de sentimentos, intuições, insights, etc., como a religião de Platão, das idéias eternas, conhecimento de uma verdade divina na consciência, um eterno místico escondido no eu. Não há um parâmetro e passamos a ter tantas religiões quantas sejam as cabeças. Isto faz do homem o seu referencial. Sem certezas.
Volto a Brunner: “Eis porque a revelação histórica é o grande escândalo ou obstáculo para os homens naturais. O homem, repleto de seu amor próprio e orgulho próprio, não quer ser descoberto porque não quer que seu orgulho seja infringido. Reconhecer a revelação histórica significa reconhecer que a verdade não está em nós, e que a relação correta com Deus não pode ser estabelecida por nossa parte; que a brecha entre Deus e nós é de tal natureza que não podemos fazer nada a esse respeito”. Tem razão.
Mas o orgulho humano em colocar a fonte de autoridade no homem não está apenas nos incrédulos. Está também nos crentes. É por isso que em muitos segmentos evangélicos a Bíblia tem sido posta de lado e Jesus tem sido esquecido, preterido pelo “Espírito Santo”, que não se assemelha à terceira pessoa da Trindade, mas se identifica com os insights das pessoas. Há muita gente confundindo sua psychê com o Ruah do Senhor. Pensa assim: se está na minha mente, foi Deus quem pôs. Como disse um jovem: “Não preciso ler a Bíblia porque Deus mora em mim, e tudo que preciso saber ele coloca em meu coração”. A pessoa se fecha a qualquer correção e tudo que ela diga ou faça foi orientado por Deus. Por isso o conceito de pecado está se diluindo entre nós. Se nossos sentimentos são a revelação, nosso agir é sempre puro, sempre certo. O subjetivismo oriundo do desprezo da historicidade e objetividade doutrinária produz isso, mas ignora Jeremias 17.9: “Quem pode entender o coração humano? Não há nada que engane tanto como ele; está doente demais para ser curado”. Não podemos ser a revelação. Estamos espiritualmente doentes. Gravemente doentes. A revelação de Deus na história é Graça que socorre os pecadores caídos.
Não há cristianismo nem verdade sem a revelação de Deus na história. A que as Escrituras registram e a que Jesus manifestou. Por mais que o mundo se escandalize, a igreja deve reafirmar isto: a verdade está num livro e num homem. A verdade está na Bíblia e em Jesus.
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