A Comissão de Assuntos Econômicos do Senado
(CAE) realizou nesta segunda-feira (11) uma audiência pública com o tema “O
Sistema da Dívida nos Estados e Municípios”. Vários aspectos do endividamento
público foram discutidos, bem como apresentados alguns casos específicos por
convidados de várias partes do Brasil. Houve ainda um palestrante
internacional: o belga Eric Toussaint, PhD em Ciência Política pela
Universidade de Liège.
Ao abrir os trabalhos, o senador Cristovam
Buarque (PDT/DF) ressaltou que a dívida debatida na audiência é financeira, mas
para ele “a maior dívida dos estados e municípios é o analfabetismo”.
A primeira debatedora foi Maria Lúcia
Fattorelli. A contadora afirmou que vê um sistema que utiliza um instrumento
que deveria aportar recursos – o endividamento público – como um sistema que
termina por subtraí-los. “O principal aspecto desta dívida é a ausência de
contrapartidas”, afirmou. “Queremos saber que dívida é esta, quem a contraiu,
quanto nós já pagamos e quanto ainda devemos”.
Amauri Perusso, presidente da Federação
Nacional das Entidades dos Servidores dos Tribunais de Contas do Brasil,
afirmou que há mais de uma década o Congresso Nacional não julga as contas da
União. Perusso questionou que serviços públicos deixarão de ser prestados para
realizar o pagamento da dívida pública. “A crise fiscal federal já está
presente. No leilão de Libra foi exigido um bônus de R$ 15 bilhões”,
argumentou.
Eric Toussaint cumprimentou o povo brasileiro
pelas manifestações de junho. Ao falar sobre prejuízos após a realização de
grandes eventos, afirmou: “É a primeira vez que um povo se pergunta um ano
antes de um grande evento acerca da utilização do dinheiro público”.
Toussaint criticou o plano de resgate da
Grécia dizendo que a solução para a dívida foi... mais dívidas. “A relação
dívida/PIB antes do resgate era de 110%; hoje é de 175%”. Citou também o caso
da Islândia com a falência do banco Icesave: contribuintes britânicos e
holandeses perderam dinheiro e foram reembolsados por seus respectivos países.
Eles passaram a cobrar da Islândia esta dívida e a população do país, em dois
referendos, negou que o Estado devesse pagá-la. O caso foi para os tribunais
europeus e a Associação Europeia de Livre Comércio (EFTA) julgou a causa a
favor do país nórdico.
A economista Eulália Alvarenga,
ex-conselheira do Corecon-MG, falou sobre a dívida de Minas Gerais, citando
operações realizadas no governo de Eduardo Azeredo e as renegociações realizadas
por Itamar Franco. “Existe um erro de R$ 2,1 bilhões de reais no cálculo dos
juros”, afirma Eulália. “E o Tribunal de Contas de Minas Gerais não audita a
dívida, apenas analisa”.
Carmen Bressane, auditora da Receita Federal,
falou sobre o caso paulistano. “Há dívidas que não foram contraídas pelos
paulistanos e são frutos de ilegalidades”, afirmou Bressane, falando sobre a
realização de operações fraudulentas durante a gestão de Paulo Maluf
(1993-1996) e contextualizando a questão dos títulos públicos como instrumento
para contrair dívida. “A CPI dos Precatórios descobriu que havia ilegalidades
na comercialização dos títulos públicos”. Ao falar sobre a dívida total do
município, acrescentou: “São Paulo tinha uma dívida de R$ 11 bilhões, já pagou R$
24 bilhões e ainda deve R$ 56 bilhões. Por que é que se empresta dinheiro
público a empresas privadas, como as de Eike Batista, usando a Taxa de Juros de
Longo Prazo, e se usa uma taxa tão alta para com entes federados?”, questionou.
Lirando de Azevedo Jacundá representou a
Federação de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais e citou um caso da
sua cidade: “O município estava construindo uma represa para perenizar um rio;
foram descobertas irregularidades e, depois de 60% da obra, em vez de colocar
os corruptos na cadeia, a população é que foi penalizada”. Ele levou quatro
propostas da Federação: o recálculo dos planos de amortização, a proibição de
cobrança de juros, a desindexação da dívida ou a utilização do IPCA e o
equilíbrio econômico-financeiro.
Waldery Rodrigues Junior, doutor em Economia
pela UnB e servidor do IPEA, afirmou que é difícil pensar numa combinação tão
bonita de palavras como auditar e prover cidadania. Ele falou sobre a
necessidade de uma auditoria dizendo que a dívida líquida está sob controle,
mas a dívida bruta não. Também destacou alguns cuidados a serem tomados no
processo. “Por trás de uma boa intenção há uma casca de banana”, afirmou
Waldery. “É preciso renegociar, porque hoje 17 estados não conseguem pagar o
piso salarial aos professores. Mas há que ter cuidado, porque hoje muitos dos
beneficiários são pequenos investidores”.
Entre as manifestações dos senadores
presentes, Eduardo Suplicy (PT/SP) destacou que o assunto é complicado até
mesmo para economistas. Pediu que as entidades representadas enviem suas
sugestões quanto às emendas ao Projeto de Lei Complementar 238/2013, que altera
a indexação das dívidas dos estados. E, dirigindo-se a Eulália Alvarenga,
perguntou com bom humor o motivo de não ter sido citado “um colega nosso aqui
no Senado que foi governador de Minas”, referindo-se a Aécio Neves.
Já o senador Luiz Henrique (PMDB/SC) afirmou
que a audiência foi bastante enriquecedora. “Artaxerxes II criou as satrapias.
Foi um avanço por ser uma descentralização, mas os sátrapas não tinham
autonomia”, afirmou. “A mão de Artaxerxes está presente em nosso país em
mecanismos como a Lei Kandir ou os impostos não compartilhados, as chamadas
contribuições. Hoje a União detém dois terços de tudo o que é arrecadado em
impostos”.
Seminário
O Conselho Federal de Economia estará
representado pelo conselheiro Roberto Piscitelli. Ele será o relator da Mesa 1,
que acontecerá na manhã do dia 11 e tem como tema “O Sistema da Dívida na
Conjuntura Nacional e a importância da ferramenta da Auditoria Cidadã”.
Na tarde do mesmo dia a Mesa 2 terá como tema
“O Sistema da Dívida na Conjuntura Internacional” e contará com a presença de
Eric Toussaint (Bélgica), Henry Morales (Guatemala), Julio Gambina (Argentina),
William Gaviria (Colômbia), José Ignacio Acuña (Venezuela), Julie Duchatel
(Suíça) e Mikel Noval (Espanha).
Fonte: http://www.cofecon.org.br/destaques/204-slideshow-principal/2810-senado-comissao-de-assuntos-economicos-discute-endividamento-publico
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