Compartilho
o excelente artigo sobre o papel do controle interno escrito por José Mauricio
Conti (Juiz de Direito em São Paulo, professor associado da Faculdade
de Direito da USP, doutor e livre-docente em Direito Financeiro pela USP)
publicado na Revista Consultor
Jurídico em 19 de novembro de 2013. Vale a pena ler para
entender a visão moderna das unidades de controle interno, que está para além a
simplória visão de conformidade processual.
Controle
interno mostra sua força no combate à corrupção
Por José Mauricio Conti
Nas últimas semanas o noticiário
ocupou-se com as denúncias de corrupção envolvendo servidores da administração
pública do município de São Paulo. O desvio de recursos públicos causado pela
corrupção é um mal que parece difícil, se não impossível, de extirpar[1]. Mas
há que se trabalhar sempre tendo como meta a sua erradicação total. Trata-se de
tema de grande interesse do Direito Financeiro, mas não pretendo abordá-lo
nesta coluna, o que certamente será feito em outra oportunidade. Pretendo,
neste texto, chamar a atenção e destacar o trabalho de um órgão ainda muito
pouco conhecido, mas que foi o responsável por dar início e realizar as
investigações que trouxeram a público a existência destes lamentáveis
acontecimentos: o controle interno.
A intensa atividade financeira do
Estado envolve imensas quantias de dinheiro, que cada um de nós entrega ao
Poder Público para delas fazer bom uso, retornando à sociedade em forma de
obras, serviços, enfim, ações governamentais que atendam as necessidades
públicas. Apropriar-se desses recursos, como se vê nestes e em outros
escândalos que envolvem atos de corrupção, como os ora mencionados, é fato que
se sabe ocorrer com indesejada frequência, cabendo ao Estado saber prevenir e
combater.
Para isso, são fundamentais os
sistemas e órgãos que atuam nesse sentido, e são muitos. Enumerar todos
certamente importará em omissões, mas vê-se destacarem o Poder Judiciário,
Ministério Público, Procuradorias, e muitas organizações governamentais e não
governamentais.
No âmbito do Direito Financeiro,
nossa Constituição prevê um bem organizado sistema de fiscalização da atividade
financeira do setor público, que é fundamental para evitar e combater não
somente a corrupção, mas toda e qualquer forma de desvio e malversação de
recursos públicos.
O artigo 70 da Constituição
estabelece que essa fiscalização é exercida de duas formas: pelos sistemas de
controle externo e de controle interno. O controle externo é exercido pelo
Poder Legislativo, com o auxílio dos Tribunais de Contas; o controle interno,
pelos órgãos de controle interno presentes no âmbito de cada um dos poderes, em
todas as unidades da federação[2]. Os
Tribunais de Contas e os órgãos de controle interno têm papel fundamental nas
ações de fiscalização das contas públicas. E, curiosamente, são pouco
conhecidos, o que é de se lamentar, pela relevância das suas atribuições.
No caso da Prefeitura de São Paulo,
sobressaiu a atuação do controle interno, motivo pelo qual dedicarei esta
coluna a tecer algumas considerações, ainda que de forma sucinta, sobre este
órgão tão importante. Mas não me esquecerei dos Tribunais de Contas, sobre os
quais falarei em muitas outras oportunidades.
O controle interno tem atualmente
suas atribuições delineadas no artigo 74 da Constituição, em que está previsto
que cada um dos poderes deverá manter sistema de controle interno, com as
finalidades descritas nos incisos I a IV, destacando-se a avaliação do
cumprimento das metas previstas nas leis orçamentárias, comprovar a legalidade
dos atos relacionados à gestão pública, avaliar a qualidade do gasto público e
dar apoio ao sistema de controle externo.
Inicialmente, o controle interno era
exercido pelo Poder Executivo, aperfeiçoando-se sua estrutura após a
Constituição de 1988, quando passou a ser exigido no âmbito de cada um dos
poderes, em respeito à autonomia e separação de poderes. Constata-se também
que, em sua origem, exercia uma avaliação meramente formal da atividade
financeira do Estado, baseada na legalidade e regularidade documental dos atos
de despesa pública.
Esta forma de atuação não se mostra
mais compatível com a modernização da administração pública, hoje com suas
preocupações voltadas ao planejamento e à qualidade do gasto público, que não
prescinde de um sistema de controle adequado a esses novos tempos. A
Constituição de 1988 andou bem em estabelecer esse novo sistema de controle
interno, com uma atuação que tenha por foco não a forma, mas sim a finalidade
do gasto público.
Vê-se que a administração pública tem
sido lenta ao cumprir o que foi estabelecido pela Constituição, sendo muitas
vezes recente a estruturação dos órgãos de controle interno e adaptação de suas
rotinas às novas funções. Não obstante esta demora, o importante é que se
observa um avanço nos órgãos de controle interno, que têm se modernizado com
vistas a cumprir bem a missão que lhes foi confiada.
Muitos municípios e estados, e os
Poderes Legislativo e Judiciário, demoraram a instituir seus órgãos de controle
interno. No âmbito do Poder Judiciário, a maior parte dos Tribunais somente os
implantou a partir de 2009, em função da determinação constante da Resolução
70/2009 do Conselho Nacional de Justiça.
No município de São Paulo, o órgão de
controle interno encontra-se junto à Controladoria Geral do Município, que tem
atribuições mais amplas, exercendo, além das funções próprias do controle
interno, as de defesa do patrimônio público, auditoria pública, prevenção e ao
combate à corrupção, ouvidoria, promoção da ética no serviço público, o
incremento da moralidade e da transparência e o fomento ao controle social da
gestão, dentre outras (Lei Municipal 15.764, de 2013, artigos 118 e seguintes).
Segue modelo semelhante a outros entes da federação, como a União, em que o
principal órgão é a Secretaria Federal de Controle Interno, que integra a
Controladoria Geral da União (CGU), que também tem se destacado no combate ao
desvio de recursos públicos.
As tarefas do controle interno exigem
que o órgão seja dotado de autonomia, o que lhe deve ser assegurado, a fim de
que possa ter liberdade de ação e apurar irregularidades, como as recentemente
noticiadas. Daí porque precisa estar subordinado tão somente ao dirigente máximo
do órgão[3], a
quem deve se reportar diretamente.
Além destas ações que foram
noticiadas, que permitiram nesta e em outras vezes identificar atos de
corrupção, é importante destacar que o controle interno é mais do que um órgão
fiscalizador, que apura irregularidades, a fim de que sejam tomadas as medidas
punitivas com relação aos responsáveis pelos atos, e indique as demais providências
voltadas corrigir as falhas que permitiram a ocorrência dos desvios. Trata-se
de órgão que tem importantes funções de assessoramento para toda a
administração pública.
Um prefeito, governador ou presidente
de ente da federação, do Poder Legislativo, ou mesmo de um Tribunal do Poder
Judiciário, e tantos outros órgãos da administração pública, são responsáveis
por gerenciar por vezes bilhões de reais, e não são necessariamente
especialistas em gestão pública. Precisam de um órgão em que possam confiar que
lhes dê apoio e orientação técnica para serem bons gestores.
Por isso, o controle interno deve
cada vez mais evoluir no sentido de atuar com base na prevenção, orientação e
correção dos atos de gestão[4].
A Constituição mostra o caminho, no
já citado artigo 74, deixando claras as finalidades do sistema de controle
interno no que tange à qualidade do gasto público, avaliando os resultados,
quanto à eficácia e eficiência, da gestão orçamentária, financeira e
patrimonial da administração pública (Constituição Federal, artigo 74, inciso
II) e no que se refere à responsabilidade na gestão fiscal, acompanhando as
metas de planejamento governamental e execução dos programas de governo
(Constituição Federal, artigo 74, inciso I), bem como fiscalizando as normas da
Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101, de 2000, artigo 59). Cabe
aos órgãos de controle interno continuar avançando, tendo em vista o papel
fundamental que estão desempenhando para melhorar a administração pública.
Melhorar a gestão dos recursos
públicos, exigindo que os governantes apliquem correta e adequadamente o
dinheiro público, é interesse de todos e nossa obrigação. E a luta contra a
corrupção deve ser permanente. Todos nós podemos colaborar com isso. É bom
lembrar que qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte
legítima para denunciar irregularidades ou ilegalidades (Constituição Federal,
artigo 74, parágrafo 2º). O cidadão é, sem dúvida, o melhor fiscal da aplicação
dos recursos públicos. Façamos a nossa parte, o controle interno e os demais
órgãos de fiscalização agradecem!
[1] Verdadeira
violência aos direitos humanos, como ressalta Regis de Oliveira (Curso de
Direito Financeiro, RT, 2013, p. 311).
[2]
Exceção feita aos Municípios, em que há um único órgão de controle interno para
os Poderes Executivo e Legislativo (Constituição Federal, art. 31).
[3]
Tribunal de Contas da União, Acórdão 1074, rel. min. Weder de Oliveira,
publicado DOU de 22 de maio de 2009.
[4] Como
já escrevemos em: CONTI, José Mauricio; CARVALHO, André Castro. O controle
interno na Administração Pública brasileira: qualidade do gasto público e
responsabilidade fiscal. In Direito Público, ano VIII, n. 37,
jan/fev 2011, Porto-Alegre-Brasília: Síntese-IDP, p. 203.
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