quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Artigo: O estilo paranoico em economia


Autor: Por Raghuram Rajan - Valor Econômico - 09/08/2013
 

Por que divergências econômicas de grande notoriedade transformam-se tão rapidamente em ataques pessoais? Talvez o exemplo recente mais conhecido tenha sido a campanha de Paul Krugman, ganhador do prêmio Nobel, contra os economistas Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff1, quando ele passou rapidamente da crítica contra um erro em um dos estudos e passou a criticar a não adesão (da dupla de economistas) à transparência acadêmica.
Para quem conhece esses dois soberbos macroeconomistas, como eu, é evidente que estas acusações deveriam ser imediatamente desconsideradas. Mas há uma questão mais abrangente: por que o estilo paranoico tornou-se tão importante?
Parte da resposta está no fato de que a economia é uma ciência inexata, existindo exceções para as previsões de quase todos os modelos de comportamento que os economistas assumem como inquestionáveis. Por exemplo, os economistas preveem que preços mais elevados de uma mercadoria reduzem a demanda por ela. Mas estudantes de economia certamente recordam-se dos "bens de Giffen", que destoam do padrão usual. Quando tortillas tornam-se mais caras, um trabalhador mexicano pobre poderá acabar comendo mais tortillas, porque reduzirá o consumo de alimentos mais caros, como a carne.
Políticas econômicas baseadas em bom senso muitas vezes produzem consequências inesperadas, pois os alvos de uma política não são agentes passivos, como na física, mas agentes ativos que reagem de maneiras imprevisíveis.
Essas "aberrações" ocorrem também em outros mercados. Os clientes muitas vezes atribuem maior valor de uso a um bem quando seu preço sobe.
No período que antecedeu a crise financeira de 2008, os macroeconomistas tendiam a excluir o setor financeiro de seus modelos de economias avançadas. Não tendo ocorrido nenhuma crise financeira significativa desde a Grande Depressão, era conveniente assumir como certo que os dutos financeiros funcionavam adequadamente nos bastidores.
Os modelos, assim simplificados, sugeriam políticas que pareciam funcionar - isto é, até que o encanamento entupiu. E o encanamento deixou de funcionar porque o comportamento de manada - que políticas moldaram de maneiras que só agora estamos começando a entender -entupiram os condutos.
Então, por que não permitir que evidências, em vez de teoria, sejam o balizamento de política econômica? Se uma dívida nacional elevada é associada a um crescimento econômico lento, será porque o endividamento excessivo impede o crescimento ou será que um crescimento lento faz com que os países acumulem mais dívidas?
Muitos econometricistas construíram carreiras descobrindo uma maneira inteligente de estabelecer a direção da causalidade. Infelizmente, muitos destes métodos não podem ser aplicados às questões mais importantes para os formuladores de políticas econômicas. Em outras palavras, as evidências realmente não nos dizem se um país altamente endividado deveria pagar sua dívida ou captar empréstimos e investir mais.
Além disso, políticas econômicas baseadas em bom senso muitas vezes produzem consequências inesperadas pois os alvos de uma política não são agentes passivos, como na física, mas agentes ativos que reagem de maneiras imprevisíveis. Por exemplo, controle de preços, em vez de baixar os preços, muitas vezes causa escassez e o surgimento de um mercado negro onde produtos controlados custam mais.
Assim, os formuladores de políticas econômicas necessitam de enorme dose de humildade, abertura a alternativas (inclusive a possibilidade de estar errados).
Mas, para os economistas que dirigem-se diretamente ao público é difícil influenciar corações e mentes fazendo ressalvas à sua análise. É melhor, para o analista, afirmar seu conhecimento inequivocamente, especialmente se honrarias acadêmicas passadas certificam a reivindicação de know how do analista.
O lado obscuro dessas certezas, no entanto, é a maneira como ela influencia a forma como esses economistas enfrentam opiniões contrárias. Como convencer seus passionais seguidores se outros economistas igualmente credenciados têm opinião contrária? Com muita frequência, o caminho fácil passa por impugnar os motivos e os métodos do outro campo, em vez de reconhecer e contestar os pontos de um argumento adversário.
Em sua monumental pesquisa sobre séculos de endividamento público e de dívida soberana, os normalmente muito cuidados Reinhart e Rogoff cometeram um erro em um de seus textos analíticos. O erro não está em seu premiado livro de 2009.
As pesquisas de Reinhart e Rogoff mostram que de modo geral o crescimento do PIB é mais lento em ambientes de elevado nível de dívida pública. Embora haja um debate legítimo sobre se isso implica que endividamento elevado provoca crescimento lento, Krugman voltou a questionar os motivos (da dupla de autores). Ele acusou Reinhart e Rogoff de manterem deliberadamente seus dados fora do domínio público. Reinhart e Rogoff, chocados diante dessa acusação - equivalemente a uma acusação de desonestidade acadêmica - divulgaram uma refutação cuidadosa, incluindo provas na internet de que não tinham sido reticentes quanto ao compartilhamento de seus dados.
Talvez o estilo paranoico do debate público, com foco em motivações e não em substâncias, seja uma tática de defesa útil contra críticos raivosos. Infelizmente, isso também contamina o combate a diferenças mais fundamentadas de opinião. Talvez o debate econômico respeitoso só seja possível no mundo acadêmico. O discurso público resulta empobrecido por causa disso.

(Tradução de Sergio Blum)

Raghuram Rajan, professor de Finanças na School of Business, da Universidade de Chicago, foi economista chefe do FMI e vai assumir o cargo de presidente do Banco Central da Índia. Copyright: Project Syndicate, 2013.

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