Por Marcus Eduardo de Oliveira (*)
Viver em uma sociedade mais fraterna e menos desigual, com relações sociais e humanas ditadas pela ordem da cooperação, em lugar da competição desleal, certamente é o sonho de muitos e a necessidade premente do tão sonhado e decantado mundo melhor para todos. Buscar construir esse mundo mais harmonioso, mais solidário, mais participativo, onde as disputas sejam travadas de maneira igual é o ideal pensado e idealizado por todos aqueles que sentem (ou já sentiram) na pele, de uma forma ou de outra, a dor e o peso da discriminação e das oportunidades desiguais.
Conquanto, o ideal de um tipo de sociedade mais justa tem sido pensado desde os tempos iniciais da Filosofia Clássica.
Platão (428–347 a.C.) pensou isso em A República (Politéia), quando idealizou uma cidade onde seus habitantes gozassem de plena e pura racionalidade. O egoísmo não existiria, as paixões seriam controladas, os interesses pessoais dariam lugar aos interesses coletivos; o Bem comum, o Belo e o Justo imperariam como princípios básicos, universais e pétreos.
Tommaso Campanella (1568–1639), outro iluminado da escrita, em A Cidade do Sol idealizou uma comunidade a ser governado por homens iluminados, dotados de plena razão.
Thomas More (1478–1535) pensou em Utopia (em grego, “Lugar que não existe”) uma sociedade ideal que se mantivesse longe do conceito da propriedade privada. O luxo, o supérfluo, o orgulho e a vaidade não teriam lugar nas cidades da “Ilha de Utopia” idealizada por More. Lá, o bem individual seria totalmente submetido ao bem geral.
O inglês James Hilton (1900–54), por sua vez, pensou em Shangri-la um local onde a convivência entre as pessoas de diferentes procedências fosse, no bojo, de cunho puramente harmonioso.
De fato, desde os primeiros passos da criação literária, o ideal de se viver em harmonia tem dominado o pensamento da humanidade.
Assim também se deu com o nascimento das ciências, em especial, as humanas (sociais), cada qual, à época de seu surgimento, de certa forma, incidiu em profunda contribuição para aguçar esse debate em torno da construção da justiça plena e igualitária estendida a todos. E a Economia (enquanto ciência social), evidentemente, não poderia ficar de fora dessa seara.
No entanto, algo sobre essa temática em torno das ciências econômicas precisa ser bem esclarecido. Repousa sobre esse corpo sistemático de conhecimento, desde a obra seminal do escocês Adam Smith (1723-90), certa “nuvem pesada” em torno de sua real abrangência social.
Ao fazer por sistemáticas vezes intenso uso dos cálculos frios em suas análises, dispondo, para isso, por exemplo, do cabedal teórico da econometria (disciplina fundada pelo norueguês Ragnar Frisch, [1895-1973], cujo emprego de fórmulas matemáticas serve para analisar quantitativamente os fenômenos), é comum que a ciência econômica se afaste, por conseqüência, da sensibilidade social.
Conquanto, resgatar a Economia (enquanto ciência) para essa abrangência (e preocupação para com o) social é, pois, tarefa de suma importância que cabe aos teóricos da economia nos dias de hoje executar; até mesmo porque não se deve perder de vista que a economia é, na essência, uma ciência humana, não exata.
A esse respeito, o economista brasileiro Celso Furtado (1920-2004), disse, em meados dos anos 1970, que é necessário “buscar construir um debate a partir da constatação de que carecemos de uma teoria geral das formações sociais que provoquem os economistas e outros teóricos das ciências sociais a pensar a teoria social de forma global”. Não por acaso, nessa mesma linha de pensamento, Furtado afirmaria, tempos depois, que “a descoberta do social foi a coisa mais relevante em minha vida”.
Tomando a liberdade de aqui “escapar” um pouco das brilhantes contribuições teóricas legadas por Furtado, creio que colocar a economia (usando-a como instrumento) a serviço da construção de uma sociedade mais justa somente fará sentido se, e somente se, entendermos que as estruturas sociais (incluindo o grau de desigualdade sócio-econômica) são historicamente determinadas. Por isso, todo esforço na construção de um mundo melhor, terá validade quando, e somente quando, romper-se com os determinantes que estabelecem esses padrões de desigualdades. Sem essa ruptura, nada avançará.
Crucial é entender, segundo creio, que as diferenças sociais não são coisas naturais, mas, antes, são condições impostas. Ninguém é pobre ou miserável porque quer. A pobreza e a miséria, espelhos de uma sociedade desequilibrada em sua essência social, são fatores impostos. Metade da humanidade vive essa situação.
Contornar essa celeuma talvez seja o fato de grande relevância para os dias que seguem. Romper com a teoria econômica tradicional que projeta luz somente no mercado e nas mercadorias é um primeiro passo para o objetivo da transformação social.
A economia não pode ficar restrita somente ao conteúdo mercadológico; antes disso é necessário entender que há pessoas que participam, que compõem e que formam toda a estrutura econômico-social. O objeto central de análise de uma ciência social, tal qual a Economia, deve sempre ser o indivíduo e suas necessidades.
A ciência econômica moderna, não pode mais ser pensada sem a inclusão da esfera social. Incluir os diversos atores que compõem todo o cenário social é imprescindível; assim como também é imprescindível pensar, por exemplo, em desenvolvimento econômico (tema esse caro ao objetivo mor de melhorar a vida de todos) sem desconsiderar o problema ecológico (incluindo a problemática em torno da limitação dos recursos).
Junto a isso, tendo em conta a necessidade de levar a economia para perto da análise social, é fundamentalmente importante condenar de forma veemente o mito de que os mercados se autorregulam. Os mercados conduzidos sozinhos, ao léu, somente potencializam as crises, os desajustes, os desequilíbrios à medida que se prioriza apenas uns poucos, em total esquecimento da maioria.
Para que esse padrão de análise dê certo, ou seja, para que a atividade econômica incorpore, de fato, a preocupação para com o lado social, a dinâmica do crescimento da economia, por exemplo, deve ser pensada “por dentro”, e não “por fora”. Esse crescimento deve ser endógeno, não exógeno.
Para tanto, deve ser priorizado o capital social e humano de dentro das fronteiras; deve ser canalizado os recursos via poupança doméstica, não os recursos externos que sopram a favor dos ventos da especulação, da volatilidade de ordens diversas.
Assim também pensa o economista chileno Oswaldo Sunkel que formulou o conceito de “desenvolvimento a partir de dentro”, ou seja, respeitando-se e levando-se em conta as idiossincrasias próprias de cada lugar, de cada povo, de cada necessidade básica, de cada peculiaridade.
É nesse pormenor que entendemos a necessidade do rompimento com a tradicional teoria econômica que ainda infesta os manuais acadêmicos. Buscar olhar a economia sob o prisma de que essa ciência pode (e deve) ajudar na construção de um mundo melhor nos parece, a contento, uma tarefa das mais imprescindíveis.
Assim como um dia, nos idos iniciais do pensamento fisiocrático, o bem-estar de todos dependia, exclusivamente, da produtividade do trabalho agrícola, a ciência econômica precisa superar certas “ponderações” e colocar o indivíduo e o meio-ambiente como pontos centrais em suas “preocupações”.
A todos que se identificam com esse objetivo, resta fazer valer e prédica que recomenda que a vida somente faz sentido quando dela fazemos uma ferramenta capaz de transformar o mundo em que vivemos.
A economia (ciência e atividade) não pode se furtar a esse compromisso, até mesmo porque essa ciência surgir para transformar a vida das pessoas.
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(*) Economista, mestre pela Universidade de São Paulo (USP) professor universitário.
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