terça-feira, 12 de abril de 2011

Para pensarmos o desenvolvimento do estado do Pará

Quando se pensa em planejar o desenvolvimento, seja de um país, estado ou região, é questão basilar a realização de um amplo diagnóstico do espaço objeto da intervenção. Para intervir corretamente é necessário conhecer adequadamente. Ou seja, para prescrever políticas públicas eficientes e eficazes é necessário, dentre outras coisas, ter um diagnóstico claro dos entraves, que limitam o dinamismo econômico, e potencialidades, que podem ser indutoras de virtuosidades. Sem ter a mínima pretensão de expor um diagnóstico completo do estado do Pará, este artigo procura apresentar seis questões que precisam ser consideradas ao se pensar o planejamento do desenvolvimento do estado do Pará.
A primeira questão que deve ser considerada é a dimensão geográfica. O estado do Pará é o segundo maior estado federativo do Brasil. Engloba uma grande região geográfica heterogênea de 1,24 milhão de km2, situada inteiramente na Amazônia, e equivalente a 14% do território nacional. Esta vastidão territorial ao mesmo tempo em que lhe confere uma riqueza natural ímpar, oferece, por outro lado, algumas peculiaridades e entraves ao seu processo de desenvolvimento.
Em se tratando de um estado maior que inúmeros países e que possui alguns municípios maiores que diversos estados federativos do Brasil, esta grande extensão territorial dificulta a articulação e a integração econômica e social entre suas sub-regiões. Em que pese isto, durante muito tempo houve a insistência no entendimento de seu espaço construído como pertencente a uma única plataforma homogênea de planejamento, o que obstaculizou a construção de uma efetiva política de desenvolvimento regional no estado. Duas lições importantes devem ser tiradas disto. A forma de se pensar a intervenção pública no estado tem de levar em consideração este fato. Hipoteticamente, arquiteturas burocráticas institucionais adequadas para estados como Sergipe, Rio Grande do Norte, São Paulo ou Paraná, tornam-se em grande parte inadequadas para o estado do Pará. Desta maneira, é necessário construir uma arquitetura institucional burocrática adequada às especificidades do Pará. Uma pergunta deve nortear esta discussão, como levar as ações do Estado para mais próximas das demandas da população? Para isto, as ações devem ser pensadas de forma regionalizada. Políticas públicas adequadas para a realidade do Marajó podem ser em grande parte inadequadas para as regiões do Tapajós, Carajás ou Metropolitana, por exemplo. Ademais, qualquer política séria de desenvolvimento regional deve ter em sua base ações concretas em termos de regularização fundiária, ordenamento territorial e detalhamento do zoneamento econômico-ecológico.
A segunda consideração a ser feita diz respeito às características demográficas do Pará. Em termos demográficos, o estado com uma população estimada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para 2007 em torno de 7 milhões de habitantes, e em decorrência de sua vastidão territorial, possui uma baixa densidade demográfica de 5,67 hab/km2, sendo que a maior parte de sua população (66,5%) reside em áreas citadinas. Contudo, comparativamente a outros estados brasileiros o Pará ainda possui uma significativa parte da sua população residindo em áreas rurais. Este fato é importante para se pensar ações de políticas públicas porque o custo e as dificuldades da intervenção tendem, em decorrência tanto da dimensão territorial quanto da demográfica, a ser bem mais elevados que em outras regiões do país. Em regiões nas quais a conurbação é maior, ganha-se em escala e reduz-se o custo das políticas.
A terceira consideração está relacionada à característica da rede urbana do estado. A função de metrópole regional é exercida pela cidade de Belém, que possui forte poder de comando sobre os fluxos regionais, estabelecendo-se como centro primaz de decisão. As enormes distâncias e as dificuldades geográficas de acesso a muitas das diversas sub-regiões, todavia, limitam o estabelecimento de fluxos interurbanos mais consistentes e a consolidação de uma rede urbana mais equilibrada. Por este motivo, a rede urbana paraense pode ser considerada como ainda não plenamente estruturada, em que pese à complexificação, redirecionamento e diversificação recente dos fluxos interurbanos. Como conseqüência, Belém não pode ser mais considerada como única opção em termos de serviços públicos especializados. As ações de políticas públicas precisam caminhar para a consolidação de uma rede urbana densa e equilibrada, e isto somente ocorrerá com o desenvolvimento de pólos como: Marabá, Redenção, Tucuruí, Paragominas, Capanema, Castanhal, Altamira, Santarém, Itaituba, Breves e Soure.   
A quarta consideração está relacionada às características da história econômica recente do estado e a conformação de sua base infraestrutural. No específico à economia do estado, até a década de 1960, esta se baseava na exportação do extrativismo de produtos florestais, havendo, entretanto, uma pequena variedade de oferta de bens de consumo industriais: refrigerantes, confecções, mobiliário e alimentos. Com a construção da rodovia BR-010, a Belém-Brasília, os produtores regionais se viram expostos a concorrência de empresas do Centro-Sul do Brasil, cujo nível de competitividade era maior, provocando, conseqüentemente, a decadência e o desaparecimento de várias empresas no estado.
Outra via de ordenamento econômico espacial do estado ocorreu com a construção de rodovias federais na década de 1970 que tiveram por finalidade integrar seu território à economia nacional, paralelamente à ocupação de sua vastidão territorial. O principal exemplo deste processo foi a construção da rodovia federal BR-230, a Transamazônica, que buscou a integração leste-oeste sob o lema “integrar para não entregar”. A implantação dessa rodovia foi acompanhada de um plano de colonização, o Polamazônia, baseado em um sistema de vilas rurais, denominadas Agrópolis e Rurópolis. Esse plano trouxe migrantes de outros estados, principalmente do Sul e do Nordeste, que deram início ao processo de colonização ao longo da rodovia. Criou-se, desta forma, um segundo fluxo de expansão da rede urbana e uma nova fronteira por onde se expandiu a atividade agrária do estado. Entretanto, as ações do plano, num determinado momento, não seguiram como previsto e a ocupação tomou outros rumos, inclusive com descontrole de desmatamentos e deficiência em termos de assistência técnica.
Na década de 1970 a economia do estado passa por sua mais significativa transformação, alterando profundamente sua estrutura produtiva, decorrente das mudanças estruturais na economia mundial e da crise energética, e principalmente da necessidade de geração de divisas para o pagamento da dívida externa brasileira. Estas mudanças estão diretamente relacionadas com a descoberta de inúmeros recursos minerais no estado e conseqüente implantação de projetos extrativos e de transformação, que acabaram exigindo, para seu funcionamento, a construção de toda uma infraestrutura, derivando daí o surgimento de hidrelétrica, rodovias, portos, aeroportos etc. Entretanto, apesar de todo este esforço, a infraestrutura econômica estadual hodierna ainda é inapropriada para dar o suporte adequado ao seu processo de desenvolvimento. Assim, na medida em que a infraestrutura econômica é fator limitante ou potencializador do desenvolvimento econômico, deve ser priorizada em termos de políticas públicas, posto que uma adequada infraestrutura reduz o custo de operação, induz ao adensamento de fluxos intra-regionais e propicia externalidades para a economia local.
A quinta consideração diz respeito aos impactos recentes na economia paraense em função de novos investimentos. Recentemente o ordenamento econômico e espacial do estado têm sido conduzidos pelo dinamismo do agro-negócio, pelo processo de verticalização da produção mineral, principalmente o Projeto Salobo em Marabá, o Projeto Onça Puma no município de Ourilândia do Norte, e a implantação de uma usina siderúrgica em Marabá; e pelas obras do Plano de Aceleração do Crescimento do Governo Federal (PAC).
No específico as obras do PAC, estas procuram: ampliar a infra-estrutura existente com a finalidade de integrar o território do estado e melhorar as condições de interligação do Pará com os demais estados do Norte e Centro-Oeste, reduzindo os custos de transporte de cargas; ampliar a infra-estrutura hidroviária, estruturando um corredor exportador da produção regional, propiciando o aumento da competitividade regional; e expandir o acesso fluvial aos municípios da região amazônica, beneficiando o transporte de passageiros e de cargas, ao longo de todo ano e com maior segurança e eficiência. Dentre as principais obras do PAC para o estado convêm destacar: a pavimentação das BR 163 (Cuiabá-Santarém) e BR 230 (Transamazônica); a construção da Hidrelétrica de Belo Monte; a conclusão das eclusas de Tucuruí; o prolongamento da Ferrovia Norte-Sul (em fase de estudo); a ampliação do Porto de Vila do Conde (construção da Rampa roll-on roll-off); a construção de terminais hidroviários (Santarém, Monte Alegre, Breves); e as linhas de transmissão de energia elétrica Tucuruí-Macapá-Manaus e Marabá-Serra da Mesa.
Em que pese este cenário econômico promissor, o Pará com um PIB estimado para 2007 em torno de R$ 49,5 bilhões – equivalente a 1,86% do PIB nacional –, e com um PIB per capita de R$ 7.007,00, ainda constitui-se como uma típica região periférica ativa da economia mundial, com os seus baixos índices de desenvolvimento decorrendo diretamente do processo histórico de ocupação da Região Amazônica. Este processo de ocupação acabou conformando uma sociedade que tem como característica deter uma economia eminentemente fundada em interesses exógenos que se aproveitam de suas riquezas naturais, principalmente de sua biodiversidade, de sua riqueza mineral e de seus recursos hídricos, exportando produtos com baixo valor agregado e energia barata para o restante do país; em paralelo com a baixa internalização relativa da riqueza e da renda.
O desafio a ser enfrentado é que todo esse potencial não tem conseguido se efetivar através da gestação de encadeamentos internos, de forças centrípetas e centrífugas, e da conformação de fluxos mais densos entre os agentes regionais. A verticalização da produção também não é significativa a ponto de conferir maior agregação de valor aos produtos regionais, empregos mais qualificados, ampliação da base econômica e diversificação da pauta de exportação.
Este modelo torna-se ainda mais perverso na medida em que a estrutura tributária brasileira desonera grande parte das exportações do Pará, obrigando o Governo do Estado a ressarcir os impostos pagos nas compras locais por parte das grandes mineradoras; e, no específico a energia elétrica, que produz em abundância, tem o seu sistema arrecadatório invertido, ou seja, a arrecadação se dá no destino, o que beneficia grandemente os estados do Centro-Sul da federação. Desta forma, o modelo tributário e econômico brasileiro apresenta-se como extremamente deletério ao desenvolvimento do estado, na medida em que cria as condições efetivas de perpetuação do subdesenvolvimento e da situação de dependência.
O Pará, como uma típica região subdesenvolvida, possui setores de alta tecnologia, como as grandes mineradoras e o agronegócio, e um significativo contingente de sua população vivendo em condições de subsistência e em nível absoluto de pobreza. Por outro lado, necessita de maciços investimentos com o objetivo de resgatar o atraso histórico no sistema educacional, no sistema de saúde, no incentivo à pesquisa e ao desenvolvimento de tecnologias apropriadas, na conservação infraestrutura de transporte – principalmente portos, aeroportos e rodovias –; sem falar da necessidade de resolver o problema fundiário do estado que tem levado a sérios conflitos pela posse de terra.
Finalmente, como última consideração, afora os aspectos econômicos e sociais, convém destacar que a questão político-institucional do estado também contribuiu para a manutenção deste quadro, com destaque para o quadro histórico de: desarticulação político-institucional; frágeis ligações institucionais entre os entes federativos (União, Estado e Municípios); frágil diálogo do Governo do Estado com a sociedade civil organizada; ausência de um efetivo pacto territorial em prol do desenvolvimento; e ausência de uma efetiva política de desenvolvimento regional por parte da escala estadual.
Como conseqüência deste quadro sócio-econômico e político-institucional tem-se assistido no estado nos últimos anos: um processo de desarticulação física, comercial, produtiva e social; um quadro de manutenção e agudização das desigualdades sub-regionais; a manutenção de algumas sub-regiões à margem do desenvolvimento; a existência de fluxos migratórios desordenados, grilagem de terras, concentração fundiária e desmatamento; e, talvez o mais importante, a ausência de políticas públicas articuladas e pactuadas entre as múltiplas escalas do planejamento e entre o Estado e a sociedade.
A alteração desta trajetória depende fundamentalmente da mudança deste quadro, colocando o destino do estado na mão da coletividade que nele habita, internalizando os principais centros decisórios, e implementando um outro modelo de desenvolvimento capaz de: descobrir formas locais e sustentáveis de aproveitamento econômico dos recursos naturais, aproveitando a biodiversidade regional; internalizar a riqueza e a renda gerada a partir da exportação de seus recursos naturais, principalmente os produtos minerais e florestais; desenvolver tecnologias apropriadas às necessidades dos produtores regionais; apoiar o desenvolvimento de micro e pequenos empreendimentos e da agricultura familiar; articular as múltiplas escalas de planejamento a partir de um objetivo comum; desenvolver o capital social e a capacidade de governança das comunidades locais; fomentar a construção de territórios; além de pactuar com a sociedade diretrizes, ações e investimentos prioritários.

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