Isaltino
Gomes Coelho Filho
Numa
quinta-feira à noite, após três expedientes de trabalho, achei que a televisão
me relaxaria. Fui ver um humorístico, “A praça é nossa”. Fez-me rir, no
passado. Havia um quadro de um sujeito vendendo bugigangas imprestáveis, e
quando alguém perguntava: “Mas, quem compraria isso?”, vinha alguém que dizia
“Eu!”. Geralmente todo estropiado, porque comprara o produto e se dera mal. O
vendedor imitava os vendedores televisivos americanos, e não movia um músculo
facial. Era hilário.
Frustrei-me!
Todos os quadros tinham insinuação sexual, e chula. Que pena, Carlos Alberto de
Nóbrega! Era um programa que se podia ver com a família. Agora não. E não é
moralismo de pastor. Tenho moral, sim, e não me envergonho de tê-la. Além de
chulo era de inteligência rala. É uma marca de nosso tempo. A cultura está
sendo imbecilizada. A televisão está idiotizando seus assistentes. Os programas
e as músicas são medíocres. O massacre do idioma é terrível. Não bastasse o
gerundismo, parece que os “s” finais não se pronunciam mais e o sujeito
pleonástico, que dói, virou regra: “O Brasil ele tem…”, “A seleção ela vai
jogar…”. Ora, o pronome pessoal é desnecessário aqui! Ouvi um professor dizendo
“Para mim fazer”. Outro lascou um “previlégio” (que sacrilégio!).
Minha mãe me ensinou, aos 6 anos, que “mim” não faz nada. Só sofre e recebe.
Voltando ao “A praça”: indignou-me. Tenho idade suficiente para desprezar o
chulo. O problema é a mediocridade, de puxar todo mundo para baixo. Não quero
aulas de Filosofia pela tevê, mas algo que uma pessoa que não tenha QI de ameba
em estado de coma assista sem se sentir ultrajada. Chamar-me-ão de
“elite”. É a ofensa preferida dos ignorantes. Tudo bem. Prefiro ser
“elite” a ser boçal. Assistir programas de televisão tira alguém da elite.
Na
manhã seguinte, arrumava-me e assistia o noticiário. Ou era o mesmo
triunfalismo do regime militar (somos um oásis no mundo!) ou eram notícias de
acidentes e crimes. Veio uma reportagem sobre violência no trânsito. Por fim,
uma senhora comentou: “As pessoas estão ficando cada vez mais brutas”. É
verdade, em todas as áreas. Jogos de futebol são um risco para o torcedor. A
violência se rotinizou no nosso cotidiano. As pessoas estão se tornando
vulgares e não pensantes, como o que consomem. A violência é entretenimento e a
sexualidade é a mais reles. A raiz é mesma: a coisificação do homem e da
mulher. As pessoas perderam a dignidade (são imagem e semelhança de Deus) e se
tornaram mercadoria. Principalmente a mulher. Ela é despida de sua dignidade e
transformada em objeto. São coisas cujo valor está na estética. Como os
produtos que compramos.
Impressiona-me
que as pessoas, principalmente formadoras de opinião, não vejam o todo. Somos
uma cultura cada vez mais imersa na sensualidade, e não no cognitivo. As
pessoas não são chamadas a pensar, mas a sentir. O mote hoje é “Sinto, logo
existo”. Os sentimentos validam a existência. As emoções valem mais que a
razão, e numa cultura altamente individualista, as emoções da pessoa lhe são as
válidas e as norteadoras de sua conduta. Não há mais dever nem senso do
coletivo. As pessoas não são mais entes pensantes e sociais. São apenas animais
que devem ter seus instintos saciados. Mesmo que baixos. O prazer rege o mundo,
não o dever ou a responsabilidade.
Vejo
o mesmo na igreja. Em uma perspectiva sensual, as pessoas querem o prazer. Não
sexual, mas querem o prazer. Avaliam o culto se ele lhes fez bem. O cântico
pode ter uma letra esotérica e até antibíblica, mas se fez bem à pessoa, então
é válido. Cantamos aberrações, mas se elas nos dão prazer são válidas. A busca
do prazer é o culto de si. Numa prática litúrgica sensual (isto é, sustentada
pelos sentidos), Deus é um pretexto para as pessoas cultuarem a si mesmas. Como
somos espiritualmente sofisticados, não fazemos isso explicitamente, mas
camuflamos. Prevalece o nosso gosto: o bom culto é o que nos faz bem e não o
que proclama a cruz e anuncia a graça de Deus. Muitos buscam não a glória de
Deus, mas sua satisfação pessoal. Alguns acham que Deus foi glorificado se eles
se sentiram bem. Por exemplo: uma senhora me disse ter discordado da mensagem
bíblica do seu pastor, “porque o seu espírito não corroborou o Espírito”. Sua
visão pessoal era mais valiosa que as Escrituras. O que ela ouviu não lhe fez
bem, e assim o que ela sentia se sobrepôs à Palavra.
Muitos
crentes não têm senso de dever nem visão do todo. Buscam apenas a satisfação
pessoal. Não querem o Espírito, mas o espírito (que por vezes dimensionam como
o Espírito). “A Bíblia diz” cedeu lugar ao “eu sinto”. O entendimento cedeu
espaço ao sentido. Nós não cremos mais. Nós sentimos. A fé deixou de ser
compreensão e passou a ser sensação. O “eu” prevaleceu sobre o “Ele”. E o
Deus que se revelou para ter sua mensagem compreendida pelos homens se tornou o
Deus das sensações. Nada de razão e tudo de sentido. Não ao cognitivo e sim ao
sensual. Estamos copiando a cultura do mundo.
O
culto sensual, a valorização dos sentidos, a glorificação do eu e o baixo nível
de espiritualidade das igrejas têm conexão. Quando os evangélicos surgem na
mídia é porque sucedeu algum escândalo. E não adianta culpar a mídia. Se
escândalos não acontecerem não serão noticiados. É que os padrões estão baixos.
A sensualidade os rebaixa. A ética requer cognição. Se a abolimos e vivemos na
sensação não temos ética.
Não
estou “viajando”. Estou abismado com a incompreensão de tantos pregadores. O
elemento cognitivo e racional da fé tem sido posto de lado. Nem sempre a
Palavra é pregada e assim as pessoas não são chamadas ao raciocínio. Elas são
chamadas apenas a sentir. O culto é programado para lhes provocar sensações.
Elas são vistas como clientes que devem receber o que buscam. Nesta ótica, o
púlpito não proclama a Palavra, mas procura fidelizar clientes. Não chegamos ao
chulo e ao obsceno, mas fomos empobrecidos. Vejo isto nos cânticos pobres, na
pregação pobre que não expõe a Palavra e sim conceitos culturais que afagam o
ego dos ouvintes, e no empobrecimento cultural do culto. Tocam-se os
instrumentos mais simples, e assim mesmo nos acordes mais fáceis. A cultura
secular está empobrecendo e se mediocrizando. A cultura teológica e cúltica
também. Estamos descendo e não subindo. Nosso nível está caindo. Não falo de
sofisticação, mas da elevação do espírito que a fé cristã sempre proporcionou.
Compreensão
não mata. “… Entendes tu o que lês? E ele disse: Como poderei entender, se
alguém não me ensinar? E rogou a Filipe que subisse e com ele se assentasse”
(At 8.30-31). O mundo precisa entender e a igreja precisa saber explicar. A fé
vem pelo ouvir, e não pelo sentir: “De sorte que a fé é pelo ouvir, e o ouvir
pela palavra de Deus” (Rm 10.17). Cuidado com o sensualismo. Um pouco de
cognoscibilidade nos fará bem. A cultura dos sentidos não é a mais elevada.
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