Por
Manoel Castanho (COFECON)
O Conselho Federal de Economia aderiu à "Carta
aberta pela democratização e transparência do orçamento público", na qual
organizações e movimentos sociais questionam medidas adotadas pelo governo
federal para modificar a estrutura de elaboração do projeto de Lei Orçamentária
para 2013. "Hoje chegou a era em que um mero clique nos portais ou sítios
específicos nos dá acesso a informações que permitem não só saber o que se
pretende gastar, mas também acompanhar a execução orçamentária de políticas
selecionadas", afirma a carta. "Mesmo com toda essa facilidade a
informação disponível ainda guarda segredos que dificultam o entendimento do
cidadão". Confira a íntegra da carta.
Carta Aberta ao Governo Federal e ao
Congresso Nacional Pela Democratização e Transparência do Orçamento Público
As organizações e movimentos sociais que lutam para
democratizar o debate e as decisões sobre as finanças públicas, por
transparência das ações do Estado e acesso público às informações veem a
público expressar nosso protesto contra medidas recentemente adotadas pelo
governo federal para modificar a estrutura de elaboração do projeto de Lei
Orçamentária para 2013. Essas medidas, adotadas em nome de uma eficácia
gerencial, vão de encontro ao que já se construiu com muito esforço político em
termos de democratização do processo orçamentário. É um retrocesso com o qual
não se pode concordar.
Nas duas últimas décadas várias organizações
da sociedade civil têm se dedicado a estudar, monitorar e incidir politicamente
com relação aos orçamentos públicos, no sentido de garantir a efetivação dos
compromissos assumidos pelo Estado brasileiro em relação aos nossos
direitos. Esse processo foi repleto de desafios para obter informações e
conhecimentos que desvendassem a lógica e a gramática orçamentárias. Tema árido
cheio de nomes e números que dificultavam a compreensão do processo político de
aplicação de recursos públicos para garantir direitos e o bem estar da maioria
da população. Desafio maior foi afirmar o caráter político do orçamento, desde
o momento de planejar a ação governamental até o gastar, passando pela
definição de diretrizes e prioridades.
Entender o orçamento como forma de
redistribuição de renda e riqueza é primordial para o avanço da democracia.
Neste sentido, a transparência e a acessibilidade às informações foi alvo de
uma batalha das organizações que tomaram para si o desafio de compreender,
decifrar e influenciar os processos orçamentários e a consequente aplicação de
recursos públicos. Esse é o mecanismo que se mostrou e, a cada dia, tem se
mostrado imprescindível para o próprio fortalecimento do controle social e
incidência política de todas as organizações e movimentos sociais.
O estágio inicial foi marcado por uma
dificuldade de leitura dos números e tabelas que ainda eram oferecidas aos
parlamentares em forma de papel. Uma organização teria que ter um amigo ou
conhecido no Parlamento que lhe oferecesse aqueles grandes volumes para
consulta. As análises realizadas eram fruto de um trabalho braçal e árduo que
só se justificava na crença de que era fundamental para democratizar o acesso
aos recursos públicos, efetivar direitos e enfrentar as desigualdades.
Hoje chegou a era em que um mero clique nos
portais ou sítios específicos nos dá acesso a informações que permitem não só
saber o que se pretende gastar, mas também acompanhar a execução orçamentária
de políticas selecionadas. Mesmo com toda essa facilidade a informação disponível
ainda guarda segredos que dificultam o entendimento do/a cidadão/ã, sem
iniciação em alguns conceitos e parâmetros. É inegável o grande avanço que
tivemos na transparência dos gastos públicos no nível federal. Hoje há uma
grande expectativa dos próximos passos que serão dados com a aplicação da lei
de acesso à informação no que se refere aos estados e municípios, pois,
há muito que evoluir na transparência de seus gastos. Estamos em plena
vigência da Lei Complementar 131, que obriga todos os municípios a divulgarem
na internet seus gastos.
Todo esse avanço é fruto de muita luta da
sociedade para conhecer para onde vão os recursos recolhidos pelo Estado em
forma de tributos e quem se beneficia das ações governamentais. Esse processo
contou com a contribuição de alguns servidores conscientes da importância de
prestar contas, de criar métodos de divulgação e de acesso às informações e
dados orçamentários necessários para o desenvolvimento da cidadania. O caso do
portal Siga Brasil (senado.gov.br/siga) e do Portal da Transparência
(transparencia.gov.br) são emblemáticos desse compromisso com a
cidadania.
Nossos movimentos e organizações não chegamos
agora a esse debate. Há muito construímos e conquistamos espaços para o
controle e a participação social nas questões orçamentárias. No entanto, muitas
pedras foram encontradas no caminho e continuam a se colocar na frente do
processo de continuidade do monitoramento do orçamento da União.
A despeito dos avanços em relação à
transparência orçamentária, e absurdamente na plenitude do debate do acesso
cidadão aos dados produzidos e mantidos pelo Estado, no contexto da aprovação
da Lei de Acesso à Informação, fazemos um alerta para mudanças
importantes que o governo federal está implementando na metodologia de elaboração
do orçamento público. São alterações que podem impactar diretamente o
controle social do orçamento e o papel do Legislativo na elaboração dos mesmos.
Segundo Manual Técnico de Orçamento 2013
(SOF, 2012; p.67), as ações orçamentárias passam por uma grande aglutinação.
Para isso, há perda de informação e descumprimento do Princípio da
Especificidade, tão caro à transparência orçamentária e um entendimento já
consolidado na teoria que orienta a boa administração pública. O Princípio da
Especificidade (princípio da especialização ou discriminação do gasto público)
constante da Lei 4.320/64, art. 5º. A saber:
Art. 5º A Lei de Orçamento não consignará dotações
globais destinadas a atender indiferentemente a despesas de pessoal, material,
serviços de terceiros, transferências ou quaisquer outras, ressalvado o
disposto no artigo 2º e seu parágrafo único.
Segundo o MTO 2013, as ações orçamentárias
que estão sendo elaboradas para 2013 devem ser agrupadas a partir do critério
da finalidade, ou seja, ficam evidenciados os serviços “finais” entregues à
sociedade, os resultados da ação, reduzindo assim o “alto grau de pulverização
do orçamento”. O detalhamento necessário para a execução das políticas, por sua
vez, vai ficar a cargo do Plano Orçamentário (PO), que tem um caráter somente
gerencial e não consta na LOA. Ou seja, não será submetido ao crivo do
Parlamento.
Essa medida limita o poder do Legislativo de
especificar no orçamento a destinação de determinados recursos por meio de
emendas. Há nessa manobra um acúmulo ainda maior de poder no Executivo com
relação às decisões políticas sobre o orçamento.
Em tempos de Lei de Acesso à Informação, as
mudanças inviabilizam instrumentos tão caros para o controle social da execução
orçamentária e a transparência das informações. Da forma como essas mudanças
chegam até nós, parece haver uma intencionalidade no sentido de fugir do
controle externo. Com essa agregação ficaria impossível fazer monitoramento dos
compromissos assumidos pelo governo da forma como é feito por intermédio dos
orçamentos temáticos disponíveis no Portal do Siga
Brasil:http://www9.senado.gov.br/portal/page/portal/orcamento_senado/Programas_Sociais
Neste momento, reivindicamos do Governo o
cancelamento de todas e quaisquer medidas que obstruam, dificultem e/ou reduzam
o acesso da cidadania e dos órgãos de participação e controle social às
informações para o monitoramento do Ciclo Orçamentário. E mais, a abertura de
espaços democráticos de diálogo sobre a construção de novos instrumentos e
mecanismos que viabilizem o controle social e assegurem a prestação de
contas pelo governo. Inclusive a compatibilização do Orçamento com os
compromissos firmados com a cidadania em diversos espaços de participação
social, a exemplo do que são as conferências.
Reivindicamos que o poder Legislativo se manifeste e
construa um diálogo público, democrático, inclusivo, com o Executivo no sentido
de diminuir os efeitos dessas medidas aparentemente técnicas, mas de
consequências políticas desastrosas. É preciso garantir a continuidade do
controle social do orçamento, a transparência em relação às mudanças feitas e
não permitir retrocessos na democratização do processo orçamentário. Razão pela
qual, reivindicamos a imediata interferência da Presidência da Comissão
Mista de Orçamento do Congresso Nacional no diálogo com o governo para o
encaminhamento das questões expostas acima.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.