Fernando de Aquino Fonseca Neto
Historicamente, a profissão de economista no
Brasil pode ser considerada como uma síntese de três movimentos, um
desenvolvido no meio acadêmico, outro pelos formuladores, gestores e
acompanhadores da política econômica e um terceiro no mercado de trabalho. No
meio acadêmico, o ensino de economia tem início com a criação dos cursos de
direito e de engenharia no Brasil, em meados do século XIX. Todos os cursos de
direito e grande parte dos cursos de engenharia incluíam a disciplina Economia
Política em seus currículos, possibilitando que as ideias, teorias e discussões
da área de economia mantivessem algum espaço no país, mesmo antes da existência
de cursos específicos de economia. Assim, parte da necessidade de profissionais
com conhecimentos de economia era suprida por advogados e engenheiros com
melhor domínio desses conteúdos, tanto nas empresas quanto nos órgãos públicos.
A política econômica, atividade típica da
profissão de economista, não pode deixar de ser exercida por nenhum governo,
ainda que de modo rudimentar. Essas atividades, no Brasil, foram originalmente
exercidas por políticos, em geral com base em seus conhecimentos de economia
obtidos nos cursos de Direito. Os formuladores, gestores e acompanhadores da
política econômica aplicavam seus conhecimentos econômicos desde os primórdios
do Estado brasileiro. “Um exemplo é dado pela polêmica entre Sales Torres Homem
e Bernardo de Souza Franco na década de 1850 em torno do problema da emissão de
moeda. Nessa polêmica, os argumentos expostos na Inglaterra, na década
anterior, durante a disputa entre a Escola Monetária (representada por Ricardo,
Mill e Tooke) e a Escola Bancária (identificada com Thornton e Fullarton) eram
adaptados à realidade brasileira: à relação entre moeda e preços via emissões
bancárias, central no caso britânico, se agrega aqui o impacto sobre o câmbio,
já que a moeda brasileira vivia sob constante ameaça de desvalorização”
[Conselho Federal de Economia: sessenta anos de história da regulamentação da
profissão de economista, 1951-2011, pág.20-21].
Necessidades adicionais de atividades
profissionais na área econômica eram supridas pelos contadores com maior
habilidade nessa abordagem. Os contadores eram profissionais de nível médio,
que haviam concluído o curso técnico em contabilidade e ocupavam posição de
muito prestígio, numa sociedade em que muito poucos obtinham grau de bacharel.
Contudo, nesse contexto, advogados e engenheiros, com interesse na área, tinham
opiniões sobre questões econômicas muito mais consideradas e valorizadas na
sociedade brasileira que aqueles precursores dos economistas no mercado de
trabalho. Também por discriminações dessa natureza, entre os profissionais mais
destacados da então chamada área comercial consolidou-se a demanda por um curso
superior, com o mesmo status de cursos universitários como direito, medicina e
engenharia.
Para atender tal demanda, em 1931 é criado o
curso superior de Administração e Finanças, acessível aos diplomados em
perito-contador ou atuário, outorgando o título de Bacharel em Ciências
Econômicas. Observe-se que envolve os nomes de três profissões, mas não se
tratava de nenhuma delas em particular. Na realidade, o currículo abrangia conteúdos
de algumas áreas, sendo mais adequado considerar que formava um profissional
que era economista e contador, com uma formação mais superficial e limitada que
a atual dessas duas profissões. Esse seria o perfil julgado adequado de um
profissional altamente qualificado para atuar na área de negócios, tanto nas
empresas e bancos quanto no setor público.
Em 1945, o curso de Administração e Finanças
é extinto, sendo substituído por dois novos cursos superiores, o de Ciências
Econômicas e o de Ciências Contábeis e Atuariais, ambos acessíveis a qualquer
concluinte do ensino médio. A estrutura curricular do curso de Ciências
Econômicas torna-se relativamente próxima de sua atual grade, abrangendo as
seguintes disciplinas: geografia econômica, história econômica, sociologia,
administração, contabilidade, direito (duas), matemática (duas), estatística e
13 específicas de economia (tais como economia política, valor e formação de
preços, moeda e crédito, comércio internacional e câmbio, repartição da renda
nacional e sistemas econômicos comparados).
Por ocasião da regulamentação da profissão de
economista, ocorrida em 1951, podia-se identificar que os três perfis exercendo
esta profissão se mantinham: os economistas-acadêmicos, em geral com título de
Doutor em Ciências Econômicas ou com função de professor das cadeiras de
Economia em cursos de Direito e Engenharia, que se dedicavam à reflexão e ao
ensino da economia, principalmente sob a perspectiva teórica; os
economistas-contadores, que seriam os bacharéis em Ciências Econômicas dos
cursos criados em 1931 ou em 1945, com funções na administração pública, no
setor privado e nos bancos; os macroeconomistas, grande parte não diplomada em
Economia, sendo advogados ou engenheiros, que atuavam nos diversos órgãos governamentais
que tratavam de assuntos econômicos.
Pode-se considerar que, a partir dessa
definição da estrutura curricular e da regulamentação da profissão, surge a
identidade do economista profissional no Brasil. O que efetivamente define uma
profissão é a especificidade de sua formação. No caso do economista, vale
observar que, desde 1945, ainda antes da regulamentação, até os dias atuais,
temos uma formação específica que, se mudar sua essência, a profissão passa a
ser outra, ainda que mantida a nomenclatura. Então, o que há de específico e
essencial na profissão de economista é a percepção objetiva do sistema
econômico em seus diversos níveis, local, nacional e mundial, assim como do
comportamento dos indivíduos nos mercados. Claro que nesses 69 anos a teoria e
as técnicas econômicas evoluíram e foram incorporadas aos cursos de ciências
econômicas, mas sempre com a finalidade de habilitar melhor o profissional
nessa percepção. Disciplinas mais instrumentais e de aplicação mais direta nas
atividades cotidianas do profissional são possíveis e desejáveis, mas a sua
ausência não compromete a formação do economista, cuja principal habilidade é a
percepção objetiva dos fenômenos econômicos.
Não obstante, vale destacar que os
economistas têm sido considerados, no Brasil, inclusive por uma parte da
própria categoria, apenas como economistas-acadêmicos e como macroeconomistas,
possivelmente por influência de como esse profissional é visto nos EUA.
Entretanto, naquele país, o título de economista é reservado apenas aos
doutores em economia, que, em geral, tendem a se dedicar à área acadêmica e à
formulação e acompanhamento da política econômica. Assim, “economista” no
Brasil não é o mesmo que nos EUA. Aqui, refere-se também ao profissional que,
mesmo sem o doutorado, possui uma formação que o habilita a desempenhar várias
atividades com vantagem em relação a qualquer outro profissional. Como exemplo,
podemos citar:
(i)
Mercado financeiro: identificação das melhores oportunidades de compra e venda
de ações e títulos, assim como das mais adequadas opções de aplicações
financeiras e de financiamentos, tanto para instituições financeiras quanto
para indivíduos e empresas não financeiras – requer um conhecimento da
estrutura e funcionamento do mercado financeiro, assim como das perspectivas do
sistema econômico e de seus mercados.
(ii)
Planejamento: no setor privado, planejamento financeiro e estratégico; no setor
público, orçamentos e planos plurianuais – requer a elaboração de cenários
macro e microeconômicos e instrumentos para calcular e estimar resultados
futuros, tais como cálculo financeiro e econometria.
(iii)
Projetos: estudos de viabilidade econômica e financeira, no setor público e
privado, exigem a identificação das dimensões mais apropriadas do investimento,
dos momentos mais oportunos de implantação e dos ritmos de execução, que
demandarão acompanhamento da conjuntura e tendências econômicas, pesquisas de
mercado e instrumentos específicos de cálculo financeiro e econometria.
(iv)
Perícia: sua abordagem econômico-financeira requer a utilização de instrumentos
específicos e a aplicação de indicadores econômico-financeiros.
Não se trata de
sermos mais inteligentes ou talentosos. É apenas uma questão de especificidade
de nossa formação, que nos favorece precisamente nas atividades em que essa
formação é a mais necessária. Basta observar as grades dos cursos: aprendemos a
entender os fenômenos econômicos; o contador, acompanhar as alterações
financeiras de patrimônios; o administrador, técnicas de gestão; o engenheiro,
aplicar as leis da natureza. Enfim, como economistas, devemos acreditar que a
alocação mais eficiente desses recursos humanos seria da forma mais compatível
com suas especificidades.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.