quarta-feira, 25 de maio de 2011

Usina Hidrelétrica de Belo Monte, desenvolvimento para quem?

A construção de Usina Hidrelétrica de Belo Monte vem se constituindo nos últimos anos como assunto polêmico e fundamental para a sociedade paraense e brasileira. A polêmica em torno do barramento do rio Xingu já dura mais de 20 anos. Ainda no início da década de 1980 a Eletronorte lança um relatório sobre o potencial energético da bacia hidrográfica do Xingu destacando o potencial de geração de 19 mil megawatts de energia com alagamento de 18 mil quilômetros impactando ao todo 12 terras indígenas. É neste momento que se iniciam os estudos de viabilidade técnica e econômica do Complexo Hidrelétrico de Altamira, que englobava a construção de duas usinas, a de Babaquara (6,6 mil Mw) em Altamira e a de Kararaô (11 mil Mw) em Belo Monte.  
No ano de 1986 o Governo Federal concluiu o Plano Nacional de Energia Elétrica 1987-2011, propondo a construção de 165 usinas hidrelétrica até o ano de 2010, sendo que deste total 40 delas estariam localizadas na Amazônia Legal. Em fevereiro de 1989 foi realizado na cidade de Altamira o Primeiro Encontro dos Povos Indígenas do Xingu, marcado pela presença do cantor Sting e pelas cenas fortes da índia Tuíra Kayapó que chegou a tocar o rosto do então diretor da Eletronorte, José Antônio Muniz Lopes, com um facão em sinal de protesto contra o barramento do rio. Literalmente os Kayapós incorporaram naquele momento o significado literal da palavra Kararaô que em sua língua significa “grito de guerra”.   
Em meio às críticas internacionais, a polêmica em relação à obra e a crise econômica por que passava a economia brasileira à obra foi paralisada. Em 1994 um novo projeto é apresentado à sociedade brasileira procurando minimizar os impactos sócio-ambientais da obra. Duas novidades chamaram a atenção naquele momento, em primeiro lugar o barramento passa a ser chamado de Usina Hidrelétrica de Belo Monte na Volta Grande do Xingu, e em segundo lugar o reservatório da usina é reduzido de 1.225 km2 para um pouco mais de 400 km2, evitando com isto a inundação da área indígena denominada de Paquiçamba. A construção da UHE de Belo Monte passa ser uma das obras estratégicas do Programa Avança Brasil e neste momento o então Presidente Fernando Henrique Cardoso posiciona-se veementemente contra a ação dos ambientalistas afirmando que a ação destes acabava prejudicando o desenvolvimento do Brasil.
  Nos dois últimos anos do Governo Fernando Henrique (2001 e 2002) o Brasil enfrentou a famosa “Crise do Apagão”, que acabou em função da elevada estiagem e da crise de oferta energética levando o Governo Federal a lançar um plano de emergência estimado em 30 bilhões de dólares, que incluía a construção de 15 usinas hidrelétricas, e dentre elas o Complexo Hidrelétrico de Belo Monte.
A obra da UHE de Belo Monte volta a ser inserida como ação fundamental para o desenvolvimento do Brasil como principal obra do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) do Governo Lula recolocando a polêmica acerca da construção da usina no centro do debate. No mês de maio de 2008 é realizado na cidade de Altamira o “Encontro Xingu Vivo para Sempre” que se notabilizou pelas cenas envolvendo a agressão ao engenheiro da Eletrobrás, Paulo Fernando Rezende, coordenador dos estudos de inventário da UHE de Belo Monte e pelo lançamento da Carta Xingu Vivo para Sempre na qual os movimentos sociais da região do Xingu se posicionam contra a barragem e a favor de modelo alternativo de desenvolvimento para a região.
  Recentemente a polêmica em torno da obra ganhou novamente patamares internacionais e midiáticos com o engajamento do cineasta James Cameron que prometeu liderar uma cruzada contra a obra, tendo inclusive escrito uma carta ao então Presidente Lula solicitando que a construção da usina fosse imediatamente suspensa, relacionando à obra de ficção Avatar com os acontecimentos da região do Xingu, uma nova Pandora. Cameron prometeu inclusive gravar cenas do filme Avatar 2 na região.
O atual argumento em favor da obra é que esta é fundamental para dar sustentabilidade ao novo ciclo de crescimento da economia brasileira. Estimativas apontam que se o Brasil mantiver a previsão de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) a taxas médias de 5% ao ano, em torno de aproximadamente 5 anos teremos um novo descompasso entre oferta e demanda. Assim, a construção da UHE de Belo Monte insere-se como questão estratégica nacional, possuindo menor impacto ambiental que as termo-elétricas.
Estimativas mais recentes apontam que o custo da obra supera os US$ 30 bilhões e que segundo o EIA/RIMA da obra a barragem terá um reservatório de 516 km2. A usina terá capacidade total instalada de operação de 11.233 MW, se constituindo na terceira maior hidrelétrica do mundo, e a energia firme será de 4.462,3 MW, ou seja, 39% da capacidade instalada. Na fase de construção está prevista a geração de 42 mil empregos, sendo 18.700 diretos e 23 mil indiretos, com uma estimativa de impacto migratório para a região significativo. As melhores estimativas prevêem que 80 mil migrantes ingressarão nesta região em busca de novas oportunidades. Outras apontam para um contingente superior a 100 mil pessoas.
Dados da Prefeitura Municipal de Altamira, cidade pólo da região do Xingu, apontam que já ingressaram no município mais de 8 mil pessoas em função da expectativa de início das obras. Trata-se de um dado expressivo se levarmos em consideração que a população de Altamira, de acordo com o IBGE, é de 100 mil habitantes, sendo que grande parte dela, em torno de 20 mil, encontra-se desempregada. Diversos impactos são estimados na região em função da obra, principalmente ambientais, sociais e econômicos. Ademais, chama a atenção a eminente sobrecarga dos serviços públicos de saúde, educação, saneamento, segurança e transporte público.
Os movimentos sociais e as lideranças indígenas da região permanecem contrários à obra porque consideram que os impactos socioambientais do empreendimento não estão suficientemente dimensionados, tecendo críticas sobre os estudos do EIA/RIMA que segundo eles incorrem, conforme levantamento do “Painel de Especialistas”, em: inconsistência metodológica; ausência de referencial bibliográfico adequado e consistente; ausência e falhas nos dados; coleta e classificação assistemáticas de espécies, com riscos para o conhecimento e a preservação da biodiversidade local; correlações que induzem ao erro e/ou a interpretações duvidosas; e utilização de retórica para ocultamento de impactos. Em relação aos impactos do empreendimento o Painel destaca o: subdimensionamento da área diretamente afetada; subdimensionamento da população atingida; subdimensionamento da perda de biodiversidade; subdimensionamento do deslocamento compulsório da população rural e urbana; negação de impactos à jusante da barragem principal e da casa de força; negligência na avaliação dos riscos à saúde; negligência na avaliação dos riscos à segurança hídrica; superdimensionamento da geração de energia; e subdimensionamento do custo social, ambiental e econômico da obra.
A expectativa do Consócio Norte Engenharia, grupo formado por diversas empresas envolvidas na construção da obra, é de que a construção deverá ser iniciada ainda em 2011, com os inícios da operação previstos para fevereiro de 2015 e a conclusão total das obras em 2019. Conforme os relatórios acerca dos impactos do empreendimento, um terço da população atraída pela obra deverá permanecer na região, algo em torno de 32 mil pessoas, sendo que a maioria deverá se fixar na cidade de Altamira. Por outro lado, de acordo com cálculos da Eletrobrás, a operação da usina de Belo Monte proporcionará por ano uma arrecadação de cerca de R$ 170 milhões a título de compensação financeira pela utilização de recursos hídricos, os chamados royalties.
Em que pese isto, algumas questões precisam ser mais bem debatidas. Não há dúvida que a infraestrutura econômica é um fator importante para o desenvolvimento, limitando o potencializando a sua trajetória. Contudo, uma questão que emerge é a destinação da energia gerada. Sabe-se que esta, de acordo com o discurso corrente, tem por finalidade de um lado garantir o aumento da oferta de energia elétrica no Nordeste e Centro-Sul do país, e de outro garantir a oferta de energia elétrica necessária para a viabilização da verticalização da produção mineral no estado do Pará. Surge neste ponto uma questão federativa fundamental. Não se trata somente de Belo Monte, de acordo com o Plano Nacional de Desenvolvimento Energético 2010/2011 estão previstas a construção de 12 usinas hidrelétricas somente no estado do Pará.
Não há dúvida que o estado do Pará se tornará em um curto período de tempo no estado mais importante da federação no que se refere à geração de energia elétrica, arcando com os significativos impactos sócio-ambientais destas obras. Neste ponto a sociedade paraense precisa participar mais diretamente deste debate. A não participação do Governo do Estado do Pará por meio da Secretaria de Estado de Meio Ambiente (SEMA) no processo de licenciamento da obra pode gerar sérios problemas para o planejamento e implementação de políticas públicas pró-ativas.
Se isto não bastasse é fundamental para a sociedade paraense a rediscussão de temas polêmicos como a “ilógica lógica” de cobrança do ICMS da energia no destino. O Pará ficará com os impactos sócio-ambientais e os estado que receberão a energia recolherão o imposto? Outras perguntas também são fundamentais: As compensações financeiras serão suficientes para cobrir os impactos do empreendimento? Qual será o poder de influência do Estado nas ações da usina, ou seja, não é importante discutir melhor mecanismo como a Golden Share? Por que alguns condicionantes prévios da obra não foram executados ou o foram apenas parcialmente?  
 Em suma, a sociedade paraense precisa discutir melhor o empreendimento de Belo Monte e esta obra precisa se configurar como positiva não somente para o restante do país, mas para o estado do Pará e principalmente para os moradores da região do Xingu. A Amazônia e o estado do Pará não pode continuar sendo o almoxarifado do restante do país e do mundo. As nossas riquezas se vão e ficam no estado a pobreza e a miséria com todas as suas conseqüências. Ou seja, Belo Monte precisa ser bom para o Brasil, para o Pará e para os habitantes da região do Xingu.